Confira a primeira parte da entrevista concedida na manhã desta terça-feira (14) pela presidenta Dilma Roussef a blogueiros. Neste trecho, ela dá sua visão sobre a situação da economia brasileira e fala sobre o contexto que leva às medidas de ajuste fiscal
Por Redação
Na manhã desta terça-feira (14), a presidenta Dilma Rousseff concedeu entrevista de aproximadamente uma hora e meia a seis blogueiros. Estiveram presentes na coletiva Altamiro Borges, do Centro Barão de Itararé; Cynara Menezes, do Socialista Morena; Luis Nassif, do Jornal GGN; Maria Inês Nassif, da Carta Maior; Paulo Moreira Leite, do Brasil 247, e Renato Rovai, do Blog do Rovai e revista Fórum.
Confira abaixo a primeira parte da entrevista, na qual a presidenta fala sobre a situação econômica do país e defende a necessidade do ajuste fiscal.
Situação econômica
Deixa eu falar mais ou menos como estamos vendo essa situação. O que aconteceu em relação ao governo? Nós, desde o final do governo Lula, fizemos uma política anticíclica muito forte, que começa no final de 2009 e entra em 2010. Mas quando chega em 2011, temos algumas situações em que os efeitos das políticas monetárias dos países desenvolvidos levam a uma desvalorização muito grande do dólar e a uma valorização de todas as moedas. Aí, nós notamos uma situação de grande estresse sobre a indústria no Brasil, baseado em um câmbio de 1 por 1,5. Este câmbio não era fruto de nenhuma manipulação nossa, pelo contrário, a gente tentou de várias maneiras impedir que os efeitos atingissem a gente nessa dimensão.
Ali começa um conjunto de medidas anticíclicas muito fortes. Primeiro, utilizamos um instrumento fiscal, por isso se entenda que fizemos uma política fiscal contracíclica que consistiu em ampliação do crédito via subsídio. A diferença entre a taxa de juros que cobrávamos e a Selic, mesmo tendo a Selic se reduzido nesse período, era bastante significativa na área de bens de capital, de modernização de frota, de financiamento de caminhões, de máquinas e equipamentos agrícolas, um nível muito baixo [de juros], de 2,5%. Isso em várias áreas.
Depois fizemos uma política de desoneração fiscal que foi bastante relevante, tanto na desoneração de bens de capital como na de investimentos. Fizemos uma forte desoneração em investimentos, depois fizemos a desoneração da cesta básica, e uma desoneração da folha de pagamentos. Junto a isso, o Brasil passou por um período muito difícil e complicado em termos de hidrologia. Em 2012, 2013 e 2014, quando se olha a série histórica, é uma das piores hidrologias que o Brasil experimentou. Não só no Nordeste, pois chegou forte no Sudeste.
Isso, do ponto de vista do sistema elétrico significou o seguinte: hoje, temos um sistema hidrotérmico, se ele fosse hídrico, nós teríamos pensado em racionar lá em 2011. O que significa ser hidrotérmico? Você não paga água quando produz energia elétrica, mas quando produz na térmica, paga-se o combustível, o gás, o carvão, o diesel ou o urânio, no caso das nucleares. Na hídrica, você não paga o insumo fundamental e na térmica paga.
Quando ocorreu isso, o governo entra aumentando o preço, ele tem que aumentar o preço. Só que se aumentar abruptamente, tem um impacto imenso nos consumidores, mas sobretudo no setor produtivo. Nós suavizamos esse impacto. E no meio do caminho tínhamos condição de reduzir um pouco o impacto porque estavam vencendo os contratos de concessão e portanto poderíamos diminuir o preço da energia proporcional aos contratos vencidos.
Queda na tributação
A gente segura essa política ainda que a arrecadação não tivesse um desempenho maravilhoso, não estávamos na fase expansiva do ciclo no mundo inteiro, nem aqui no Brasil. Mas quando chega na metade para o final de 2014, a partir de setembro, há uma queda brutal. Essa queda na arrecadação é acompanhada também por alguns movimentos internacionais que já estavam ocorrendo, como o fato de 2014 ter sido o pior ano da China. Como uma grande parte das nossas exportações de commodities, principalmente minerais, são essenciais e vão para a China, nós sofremos o impacto da queda brutal das commodities. E também uma queda na produção da Petrobras, em 2013, que começa a recuperar em 2014.
Temos um quadro de muito agravamento no final de 2014, e isso vale para nós, para os estados e para os municípios. Se olhar nos estados, vai ver também essa queda brutal na arrecadação. Daí olhamos e vimos o seguinte: não cumpriríamos a meta. Vocês lembram que a primeira medida que tomamos foi avisar o Congresso de que não conseguiríamos cumprir a meta, porque a queda de arrecadação não é compensada por nenhum mecanismo. Ela se deu nos últimos três meses do ano de forma pesada e a gente não tem como compensar. É bom saber que toda arrecadação no Brasil é cíclica e todo mundo arrecada mais nesse período do final e início do ano e tem um “valezinho” [queda em forma de vale em gráfico] no meio do ano. Uma das maiores arrecadações se dá nos últimos dias do ano.
Então nós tivemos que fazer um ajuste e o pessoal que estava saindo do governo, a equipe da Fazenda, deixou uma série de medidas de ajuste já previstas – menos ajuste tributário –, sobretudo em algumas políticas que tinham detectado distorções imensas, como seguro-desemprego, em que havia uma situação muito estranha. Nós, com a menor taxa de desemprego da série histórica, tínhamos um nível de gasto com seguro-desemprego absolutamente fora de qualquer proporção. A gente sabia que tinha de olhar aquilo. Fora outras questões como o fato de o abono salarial, que era um produto da época em que não tinha política de valorização do salário-mínimo e nem Bolsa Família, que é atípico, já que a pessoa trabalha um mês e recebe por um ano. Estamos propondo o mesmo método do 13º, trabalhou dois meses, recebe dois doze avos, trabalhou um ano recebe inteiro.
Política de subsídios e desonerações
Fizemos também uma série de ajustes logo no início. Mudamos os juros, não acabamos com os subsídios em nenhuma das políticas, mas ajustamos, não é mais 2,5%. Em alguns casos, ainda tem taxas de juros negativas. Para bens de capital, mantivemos a política, assim como para a agricultura, os caminhoneiros, a inovação… Mantivemos, não houve alteração no sentido de acabar com o subsídio do crédito. Não mexemos na redução da cesta básica, que continua incólume.
No que mexemos? Estamos propondo alterações na folha de pagamento, uma política que fizemos para diminuir o custo do trabalho em uma conjuntura internacional na qual a diminuição no custo do trabalho estava se dando pela perda de direitos sociais, desemprego e demissões. É só olhar o que foi feito. Por exemplo, todo mundo fala na Europa, mas vou falar o que foi feito no setor automobilístico dos EUA. Primeiro, o governo americano se tornou sócio da GM e da Chrysler – da Chrysler menos e da GM mais, até hoje é sócio. E está esperando a conjuntura melhorar e acho que vão ganhar muito dinheiro pelo fato de ser sócios. Venderam a Chrysler pra Fiat, eles tinham 9%, mas fizeram uma redução brutal de salários e de direitos para a aposentadoria na construção desse processo.
A conjuntura implicaria que a gente tinha que reduzir os custos dos trabalhos, e tentamos reduzir em impostos, basicamente nos setores industriais, que é onde a competição bate forte. Acabou que a desoneração foi feita para alguns setores em que não estava prevista. Mas ela foi feita em um nível muito maior do que hoje somos capazes de suportar. Perdemos com a desoneração, só a da folha [de pagamentos], 25 bilhões de reais, e estamos reduzindo isso para 12 bilhões. Vai continuar perdendo. (…)
Vamos ser obrigados a fazer um ajuste mesmo considerando que colocamos o superávit em 1,2%, vamos ter que contingenciar gastos do governo porque a arrecadação não recupera assim. O que significa o ajuste? Que reduzimos as medidas contracíclicas, não acabando inteiramente com elas, mas dando uma gradação compatível com o nosso nível de receita.
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR