Batista: Carnaval rio acima – uma viagem no tempo

Chagas Batista – O Carnaval é um momento de alegria e cada um deve aproveitar do jeito que se sentir melhor, afinal são quatros dias de feriado. Uns vão para a avenida, clubes para dançar, beber, namorar… Outros vão para igrejas, retiro religiosos-  e há quem aproveite para dormir e curtir a família.

Eu sempre aproveito para tentar colocar em dias as tarefas em busca da evolução humana, da consciência social e para fazer reflexões sobre os caminhos para mudar as coisas. Assim me divirto, sinto frescor e mais leve para o pós Carnaval.

Este ano de 2023, aproveitei para levar uma mensagem de esperança aos ribeirinhos do Rio Murú. Uma viagem de três dias,  em uma agenda apertada para visitar os seringais Santo Amaro, Vitória Velha, Cajazeira, Vitória Nova, Ouro Preto, Monte Belo, São Sebastião, Mucuripe, Colombo, Guanabara, Ariopes  e Pacutí.

Sexta feira, dia 17, às 5 horas já estávamos na beira do Rio. Eu, o timoneiro, Célio Antônio, e a jovem enfermeira, Sayonara Araújo. A missão principal: Conversar com os ribeirinhos agricultores, criadores e seringueiros sobre o novo momento que se inicia no País com um Novo Governo e novos compromissos. Como cada produtor deve se preparar para esse novo momento.

A exemplo do ano de 1991, quando saí junto com os companheiros  Aldenor Viana e o Hipólito subindo o rio Murú para fazer a campanha do companheiro Sidenir e conquistar o Sindicato… este ano também levei uma missão semelhante: fazer a campanha da chapa encabeçada pelos companheiros Fernando e Zezão.

Saí com a mesma motivação de 1991,  especialmente por que tenho observado que forças estranhas à luta classista estão querendo dividir os trabalhadores e se intrometer no processo de escolha da nova diretoria. A militância e a busca da transformação social têm sido os desafios cotidianos de quase quarenta anos na minha vida militante.

O barco deu a largada e logo estávamos passando pelo seringal Itamaraty, mas especificamente pela  comunidade onde morava meus dois amigos: o companheiro Hipólito e sua companheira Maria Libânia, ela já partiu para a eternidade deixando muitas saudades. Enquanto o barco virava cada curva ia me lembrando dos companheiros de momento muito difícil da luta dos trabalhadores rurais que já não estão mais entre nós .

Agora são 7h17, já estamos passando no Transual, local onde o companheiro Sidenir morava com a Dora . Encontrei ele encoivarando um roçado rodeado de uma reca de meninos . Conversamos sobre sua candidatura e seguimos a viagem.

São 7h44, estávamos passando na boca do seringal Conceição. Lembrei do seu Mário Pedra ” In memorian”, foi dele que comprei minha primeira propriedade de terra, 87 hectares. Doei para resolver uma separação de casal. Quando chegava nesse lugar a gente fazia uma farra com o safoneiro, o compadre Zé Pedra.

Lembrei-me do João Pedro, da dona Raimunda, do  Tiotonho, do Adecio, que participavam das nossas reuniões do Sindicato no Transual, todos já partiram para eternidade. O barco corria e a imaginação do passado não cessava.

8h15 já estávamos passando na Vitória Velha. Lembrei do velho pagode, José Nobre, (In Memorian) cearense progressista. Sempre nos acolhia muito bem, junto com dona Maria e seus filhos, ele entendia e defendia nossos ideias.

8h50 chegamos no Seringal Cardoso, local onde morava o combativo delegado sindical, Aldenor Viana, que nos acompanhou na viagem de 1991. Adenor foi o melhor mergulhador que conheci. Ele atravessava um remanso andando por baixo d’água.

9h05 já estávamos passando o Sameada. Lugar de muitas histórias,  que me trouxe saudades. Lembranças dos aniversários do Julião, ex-delegado sindical. Todos anos éramos convidados. Eram três dias e três noites de festa com muita comida e bebida,  tudo na maior alegria, nunca acontecia uma só desavença. Lembrei que no retorno precisava visitar a companheira Jóia que ainda vive por lá.

9h20 passamos no Valmir Julião outro companheiro sindicalista que não está mais entre nós. Valmir era um companheiro bondoso, a casa dele dava uns 30 metros de cumprimento para poder acomodar a imensa quantidade de filhos.

9h30 passamos pelo Inferno (Nome de uma colocação. Não sei por que deram esse nome a um lugar tão bonito). Lembrei do delegado sindical José Salvador, das grandes lutas da décadas de 80 e 90. Salvador já foi para o céu. Salvou-se.

Já, às 10 horas chegamos no Ouro Preto. Seringal de muitos combatentes da luta sindical que já partiram. Lembrei de Chico Falcão, Valdemir da Silva o Val, do Elias, do  Chicó Cariri e outros.

10:10 já estávamos passando na Vitória Nova. Um lugar histórico da luta dos seringueiros e seringalistas. No lugar repousa no fundo do Rio, um Navio que naufragou na década de 1940. Passar nesse lugar é um encontro com história dos seringais. É difícil não lembrar de Sansão Bayma. Um dos herdeiro do seringal, cabra gente boa que também já partiu.

Chegamos na capela 10h30, lembrei dos grandes encontros anuais nas festas religiosas de São Sebastião. Hoje não existem mais a festa, nem aquela acolhida carinhosa da dona Nazaré e do seu Antônio Tibúrcio. Os dois partiram para o outro plano.

10h42 chegamos à boca dos canudos, localidade onde morava o combativo delegado sindical,  Francisco Gonçalves, o seu Neguinho e sua esposa dona Tota.  Eles gostavam quando a gente dormia na casa deles. Quando chegava a noite, o jantar era banquete, comida de toda espécie.

O barco corria bastante, mas a distância para o local que planejávamos chegar às 15 horas ainda era muito distante. Já eram 13h10, nesse horário estávamos passando no Mucuripe, local onde geralmente eu passava as férias no meu tempo de estudante. Célio Antônio, timoneiro do barco acelerava o motor.

Chegamos no Pacutí com 5 minutos de atraso, mas alegre porque os companheiros já estavam nos esperando. Iniciamos nossa conversa no Pacutí e retornarmos com tempo para cumprir os demais compromissos nas demais comunidades.

Além da missão realizada com sucesso no sentido de conversar com os companheiros sobre presente e futuro, meu Carnaval foi uma viagem no tempo. Dedico esse texto em homenagem a todos e todas que estiveram juntos comigo nas lutas do passado. Em minha memória todos continuam presentes

Chagas Batista – de Tarauacá, Acre.

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