Minhas raízes e juventude: ‘Comecei a usar drogas…’

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Chagas Batista – Como a maioria dos jovens que vive numa sociedade capitalista e consumista, a passagem de minha infância para a idade adulta, foi afetada pela vulnerabilidade, problemas reais que a juventude enfrenta. A falta de trabalho e oportunidade para atender os anseios pessoais e ajudar no sustento da família.

(…Problemas reais…)

Era preciso trabalhar de dia e estudar à noite. O problema era que não havia alternativa para ganhar algum dinheiro senão fazendo empreitada para fazer desmate em fazendas, tirar lenha para queimar tijolos para a Eletroacre. Enfrentar qualquer trabalho braçal.

(…desmate…)

O maior problema era conciliar o tempo de trabalho com a escola. Geralmente essas referidas opções de trabalho eram todas fora da cidade, às vezes quando terminava o serviço, vinha correndo para chegar em casa, tomar um banho de cacimbão, com água puxada no carretel. Tudo era demorado, até pegar um caderno amarrotado e chegar à escola já tinha perdido uma boa parte da aula.

(…banho de cacimbão…)

Todo o sacrifício durante a semana, não me permitia um sábado e domingo de descanso e diversão. O dinheiro que ganhava não era suficiente para comprar uma roupa melhor e um sapato para ir à festa ou tomar um sorvete com a namorada. Nesse conflito de demandas e aspirações reprimidas, fui convidado para um mundo desconhecido, onde eu podia me refugiar: passei a usar drogas.

(…drogas…)

A situação que já era difícil ficou muito mais. Veio à indisposição para o trabalho e o aumento brutal da discriminação. Tarauacá começava ficar um lugar impossível para me continuar. Conversei com meus pais e manifestei a vontade de ir passar um tempo em Rio Branco. O objetivo era arrumar um emprego melhor, estudar e fugir das amizades erradas. Recebi todo apoio moral, coloquei minha bagagem num saquinho de palha, entrei no Búfalo (Avião da FAB) e parti para a capital.

(…no búfalo da FAB…)

Em Rio branco, após alguns dias na casa de um parente, fui morar na casa do estudante, uma residência estudantil que abrigava estudantes do interior. Encontrei alguns Taraucaenses morando na residência, entre os quais estava o indígena Yawanawá Biraci Brasil, Victor Silva (Pelezinho) e outros. A residência oferecia apenas um beliche e um colchão sem lençol. Era preciso arrumar dinheiro para a alimentação e outras necessidades básicas. Era preciso arrumar um emprego e se matricular numa escola.

(…na Casa do Estudante…)

Comecei a lutar na busca por uma oportunidade de emprego e só ouvia, não! Matriculei-me em uma escola, mas quando chegava a noite, hora de ir estudar, eu ainda não tinha almoçado. A fome apertava na hora de dormir e eu me desesperava porque sabia que ao amanhecer do dia seguinte também não tinha dinheiro para comprar um pão.

(…fome…)

Comecei a perambular pelo centro da cidade. Um dia, um fato me chamou grande atenção. Cheguei em frente à Assembléia Legislativa, encontrei uma multidão de pessoas com faixas e cartazes, revezando-se em um mega fone, gritando palavras de ordem: DIRETAS, JÁ!

(…em frente à Assembléia…)

Os presentes ao manifesto majoritariamente, usavam camisetas e calças desbotadas. Os homens eram maioria Barbudos. Apesar de não saber o que aqueles malucos defendiam. Fiquei encantado com os gestos, fiquei até dispensar todo mundo do local, gostei muito de ter ficado ali, mas continuava com a preocupação de não conseguir trabalho e alimentação. Como a oportunidade não veio, apareceu mais uma vez as “amizades” que eu havia deixado em Tarauacá.

(…encantado…)

Cheguei a conclusão que Rio branco era mais uma ilusão. Todavia, não queria voltar para Tarauacá nas mesmas condições que tinha saído. Resolvi arriscar mais. Decidi tentar Manaus. Fui ao Palácio Rio Branco, fiz mais uma reserva num vôo do búfalo e me preparei para outra aventura. O grande problema era que em Manaus eu não tinha nenhum conhecido. Mas eu estava decidido.

(…Manaus…)

No dia de viajar, arrumei meus poucos pertences e fui para a parada de Ônibus. Subi no primeiro que apareceu em direção ao aeroporto. Pedi ao cobrador para deixar eu pular a catraca, não tinha dinheiro. Assim cheguei até o aeroporto Presidente Médici. Enquanto aguardava a chamada para o embarque, enxerguei uma pessoa adentrando pela porta de desembarque e caminhando de cabeça baixa em minha direção. Comecei a tremer, não acreditava que era verdade. Eu estava vendo minha mãe e não sabia como ela estava chegando ali exatamente no momento que eu ia enfrentar uma difícil aventura. Aguardei um pouco e não tive mais dúvida, era mesmo minha protetora, que mesmo sem saber que eu ia viajar naquele dia, sabia que eu estava passando dificuldades e decidiu viajar a Rio Branco para me buscar de volta Para Tarauacá.

(…minha protetora…)

Voltei a Tarauacá disposto a lutar por uma nova vida. Hoje, depois de tudo que passei, tenho uma dimensão mais alargada dos dilemas da nossa juventude. No seu melhor momento, os jovens não procuram a destruição de si ou da sociedade, mas quando não encontram solução para suas justas demandas, procuram uma anestesia, uma equivocada solução face as dificuldades que enfrentam.

(…dilemas…)

Cuidar da juventude é um compromisso generoso com o futuro. Uma sociedade onde os jovens têm educação e oportunidades, o horizonte é radiante e promissor, sem isso, é um escuro explosivo.

Chagas Batista, Tarauacá – escreve semanalmente para oestadoacre

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