Por Maurício Pinheiro, estreia em oestadoacre – Certa vez, disseram que a verdadeira solidão não é a falta de companhia, mas o isolamento disfarçado de presença. Vivemos tempos em que a tecnologia promete mais conexões, mas entrega vínculos que deslizam pela superfície de nossas vidas, sem nunca mergulhar em profundidade. Estar conectado deixou de ser um ato consciente; tornou-se um estado permanente, quase reflexo. Mas até que ponto a ilusão de proximidade digital nos afasta do que realmente importa?
Hoje, assistimos à ascensão de dispositivos que não apenas atendem às nossas demandas, mas também fingem compreender nossas dores. Robôs que se apresentam como amigos, companheiros ou mesmo confidentes. A promessa é sedutora: relacionamentos sem as imprevisibilidades e desafios que marcam os encontros humanos. Sem rejeição, sem discussões, sem o desconforto de se colocar no lugar do outro. Mas também sem a riqueza das imperfeições que nos tornam, de fato, humanos.
É tentador imaginar um mundo onde o afeto seja programado e as interações, controladas. Muitos jovens já preferem uma mensagem de texto a uma conversa presencial. Não porque não desejem conexão, mas porque temem a vulnerabilidade que ela exige. Uma mensagem é segura; uma conversa é arriscada. Estamos criando uma geração que sabe comunicar-se rapidamente, mas não profundamente. E, nesse processo, ensinamos a nós mesmos que é aceitável reduzir a complexidade das relações humanas à simplicidade de uma interface.
Porém, o que perdemos ao abraçar essa ideia? A autenticidade das relações humanas reside precisamente em sua imprevisibilidade. Amar é lidar com nuances, aprender a negociar expectativas, encarar desentendimentos e, acima de tudo, crescer junto ao outro. É abraçar a incerteza sabendo que é nela que residem os momentos mais significativos. Quando trocamos pessoas por máquinas que simulam cuidado e afeto, não apenas reduzimos a profundidade de nossas experiências; redimensionamos também nossas expectativas de relações reais.
Mais alarmante é que esses substitutos tecnológicos não são apenas aceitos, mas celebrados. Em lares de idosos, robôs em forma de animais de estimação confortam os residentes, prometendo companhia sem exigir reciprocidade. Em salas de estar, assistentes virtuais se tornam os ouvintes mais presentes, sempre prontos a responder sem julgamento ou cansaço. Para muitos, esses avanços soam como soluções. Mas seria mesmo uma solução entregar nossas vulnerabilidades às máquinas? Ou estamos apenas mascarando a nossa incapacidade de lidar com as complexidades humanas?
Na pressa de evitar a dor, esquecemos que é dela que brotam os aprendizados mais profundos. A convivência humana é feita de desconfortos e reconciliações, de atravessar juntos momentos de crise. Um robô pode nos oferecer uma simulação de conforto, mas nunca o abraço de quem compartilha nossa experiência de mundo. Nossos dispositivos podem nos manter ocupados, mas não preenchidos. E talvez seja justamente essa a distinção que precisamos resgatar: estar ocupado não é o mesmo que estar conectado. Estar conectado não é o mesmo que pertencer.
No entanto, não é o abandono da tecnologia que nos levará a melhores caminhos, mas a maneira como a integramos à nossa busca por significado. Precisamos criar ferramentas que ampliem nossas possibilidades humanas, não que as limitem. A verdadeira revolução está em como escolhemos usar essas inovações para construir relações mais autênticas, significativas e desafiadoras. Pois não são as máquinas que nos definem, mas os laços que construímos com quem realmente pode olhar nos nossos olhos e compartilhar, em profundidade, aquilo que nos torna humanos.
Maurício Pinheiro – Educador de Tecnologias e Artes no Sesc SP, Analista de Software, Produtor Cultural e Roteirista.