Por Cláudio Ezequiel – Nos púlpitos, nos palanques e nas redes sociais, muitos líderes religiosos e políticos se levantam com fervor para “defender os valores da família”, se posicionando contra o aborto, o casamento homoafetivo e outras pautas ditas de caráter “moral”.
A relação entre o bolsonarismo e o Estado moderno de Israel apresenta profundas contradições, especialmente no meio cristão evangélico. Este artigo propõe uma análise verdadeira a luz dos ensinamentos bíblicos sobre a diferença entre o Israel espiritual — conforme ensinado nas Escrituras — e Israel político moderno, destacando a hipocrisia presente no bolsonarismo em idolatrar o Estado Secular de Israel, cuja agenda política, frequentemente, contradiz os valores que esse grupo diz defender no Brasil.
No Antigo Testamento, Israel é a nação formada por Deus a partir da descendência de Abraão, Isaque e Jacó (Gn 12; Ex 19:5-6). O nome Israel foi dado por Deus a Jacó, depois de uma noite de luta entre Jacó e um anjo do Senhor conforme descrito em (Gn 32:22-32) “Então disse: Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; pois como príncipe lutaste com Deus e com os homens, e prevaleceste.”
Esta mudança é a marca de uma transformação espiritual, quebra de orgulho, redenção por meio da dor e o surgimento de um novo povo, não definido pela força humana, mas pela aliança divina. Israel não é apenas uma etnia, mas um povo escolhido por Deus com um chamado moral e espiritual, de viver a justiça, a misericórdia e a santidade. “O Senhor escolheu vocês, não por serem mais numerosos, mas porque os amou.” (Deuteronômio 7:7)
O Novo Testamento ensina que a Igreja é a nova aliança, formada por judeus e gentios convertidos a Cristo (1 Pedro 2:9; 1 Coríntios 3:16). O povo de Deus não é definido por etnia ou território, mas pela fé em Jesus Cristo. O verdadeiro Israel é espiritual, formado por todos os que seguem o Messias. “Nem todos os descendentes de Israel são Israel.” (Romanos 9:6) “Se sois de Cristo, sois descendência de Abraão, e herdeiros segundo a promessa.” (Gálatas 3:29). Portanto, apoiar cegamente Israel moderno como se fosse o “povo de Deus” é negar a universalidade do Evangelho.
Israel político fundado em 1948, com base ideológica no sionismo, por decisão da ONU, é um Estado como qualquer outro, um país moderno, laico, capitalista, liberal e tendo um dos exércitos mais armados do mundo.
É fruto de um projeto sionista laico e político, liderado por judeus seculares como Theodor Herzl, que desejavam criar um Estado judeu para fugir do antissemitismo europeu após o holocausto (1939 – 1945) e não restaurar a fé bíblica. Entretanto, muitos judeus ortodoxos rejeitaram o sionismo, por considerá-lo heresia política — pois só o Messias pode restaurar Israel, segundo a fé cristã.
Enquanto conservadores bolsonaristas no Brasil condenam aborto, casamento homoafetivo, liberdades sexuais e o Estado laico, Israel pratica e garante tudo isso por lei: aborto legalizado desde 1977 — com a cobertura do sistema de saúde, casamento homoafetivo reconhecido desde 2006, estado laico, sem imposição religiosa, fortes movimentos feministas e LGBT, ampla defesa da pesquisa com células-tronco, educação sexual e igualdade de gênero.
A aliança entre bolsonaristas e o Estado de Israel não é teológica, mas geopolítica. Trata-se de um fetiche evangélico-ideológico construído para justificar o armamentismo “Deus acima de tudo, fuzil acima de todos”, uma aliança cega, seletiva e idólatra. O bolsonarismo evangélico confunde o Israel bíblico com o Israel geopolítico moderno, ignorando os ensinamentos do evangelho. O Estado moderno de Israel não cumpre os critérios da aliança mosaica (Êxodo 19:3-8; Êxodo 24:3-8) nem tão pouco pratica os preceitos da Torá — é um Estado secular, capitalista, militarizado símbolo de um poder político.
O Evangelho não se curva ao poder, Jesus nunca se aliou ao poder político de sua época. Ele não apoiou o Império Romano, nem os fariseus que usavam a religião como arma. Ao contrário, Ele nos ensinou: “Meu Reino não é deste mundo” (João 18:36) “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mateus 6:24).
O bolsonarismo evangélico é cego e hipócrita, busca servir a dois senhores, a Deus (em discurso) e ao poder político (na prática). O fruto disso é a corrupção moral, o discurso de ódio, a intolerância e a hipocrisia evangélica institucionalizada. Confundido o Reino de Deus com o Estado Nação de Israel.
A Bíblia condena esse tipo de hipocrisia religiosa Jesus foi duro com religiosos que usavam Deus para esconder suas incoerências, “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mateus 15:8), “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro estão cheios de rapina e cobiça”, (Mateus 23:25). Assim age o bolsonarismo evangélico, limpa o exterior com o discurso da moralidade, mas por dentro está corrompido por incoerência, idolatria política e cinismo ideológico.
Por fim, Israel Bíblico é promessa de Deus, da aliança e da justiça. O Israel moderno é um Estado como outro qualquer, com virtudes, erros, armas, e interesses econômico, ideológicos e políticos. Confundir ambos é cometer idolatria política, manipular a fé e perder o foco do Evangelho. “Porque nem todos os descendentes de Israel são Israel.” (Romanos 9:6)
O verdadeiro Israel não é geográfico, mas espiritual. É formado por todos os que creem no Messias — Jesus de Nazaré — e seguem sua justiça, sua cruz e sua paz. Ao confundir o Israel Bíblico com o Israel Moderno, muitos cristãos acabam idolatrando um Estado secular, como se ele fosse santo por direito. Isso contradiz o próprio Evangelho.
Paulo escreve: “A circuncisão é aquela que é do coração, no espirito, e não na letra.” (Romanos 2:29). Poderia ainda fundamentar tudo isso citando Ezequiel 36:26, Joel 2:13, Jeremias 31:33, mas deixo que o leitor possa buscar na palavra e fazer a sua própria leitura. A antiga aliança foi cumprida e superada em Cristo Jesus que trouxe uma nova aliança alicerçada na paz, no amor e na fé, intendente da língua, raça e classe social.
Claudio Ezequiel – Professor e Cristão Evangélico.