‘Senhores, em toda a minha vida profissional de 40 anos de trabalho com os índios, isolados ou não, sempre soube a hora de calar, de respeitar hierarquia. Soube também protestar a meu modo, quando necessário, a meu modo, jeito e responsabilidade. Pois agora é a hora de gritar, e alto! Embora isso signifique, como já aconteceu quando fui demitido da Funai, na criação da SBI que protestava contra o regime militar da época, a favor dos índios.
A Frente Etnoambiental do Rio Envira, no Acre, como todos sabem, foi tomada por uma força paramilitar estrangeira, composta de traficantes e provavelmente acompanhados de índios recém contatados do Peru.
A Polícia Federal veio à nossa base, pensava eu, de acordo com plano que junto com ela fizemos em Rio Branco, de duas equipes, uma acima da base e outra abaixo, pousadas de helicóptero a distancia não audível dos invasores da base, que viriam por terra, na esperança de prendê-los.
O plano não foi executado. Sobrevoaram a base antes disso, de helicóptero, espantaram os caras. Uma equipe pousou na Aldeia Simpatia e subiu o rio. Foi resgatada antes de chegar na base. Outra pousou na base.
Nossos mateiros seguiram um rastro e entregaram o Sr. Joaquim Fadista, português que anteriormente foi preso aqui mesmo e deportado para o Peru, apesar se ser procurado por tráfico internacional de drogas, inclusive no Brasil. Voltou e foi preso de novo.
Satisfeita, a Polícia Federal abandonou a base, como se a missão estivesse toda realizada. Uma pequena equipe, Sr. Carlos Travassos, coordenador da CGIIRC/FUNAI, Artur Meirelles coordenador da Frente, Francisco de Assis (Chicão, mateiro), Francisco Alves de Castro ( Marreta, mateiro) e José Carlos Meirelles ( Governo do Estado do Acre), por decisão unânime, resolveram vir para a base, que era de novo abandonada.
A Polícia Federal lacrou a base. No outro dia que chegamos estava tudo arrombado de novo. Os peruanos continuavam aqui. Vimos vestígios de menos de 15 minutos.
Veio de Rio Branco o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Acre. Foram feitas pequenas incursões. Encontramos acampamentos, mochila dos peruanos com pedaço de flecha dos isolados dentro. O Bope vai e vem a Força Nacional, sem ordem de se afastar a 500 metros da base.
Nestes dias de Força Nacional, sempre se escuta tiros em locais próximos à base, à noite, com características de arma de bala e não de cartucho.
Esta noite mesmo, foram ouvidos três disparos, de um lado e de outro do rio. A Força Nacional está esperando o Exército, que deveria aqui chegar no dia seguinte à invasão da Base, ocorrida há quase um mês.
E ninguém ainda se dispô a bater realmente estas matas e desvendar o que realmente estas pessoas, que continuam aqui, fazem e querem. Não temos acesso ao depoimento do português. Parece que é propriedade da Polícia Federal.
Há tempos, desde 2007, temos alertado sobre a exploração ilegal de madeira, do outro lado da fronteira, em reserva de isolados no Peru, a reserva Murunahua.
Agora, tudo leva crer que além de madeireiros, temos traficantes de drogas. E pelo andar da carruagem, como se diz aqui pelas matas, parece que estão botando roçados. Ou seja, não tem a mínima intenção de ir embora. Afinal, ninguém os perturba. Nós da Funai, do governo do Acre e os mateiros, que ganharam um presente da Funai: foram dispensados, mas estão aqui por opção. O risco é por nossa conta, somos pagos ou não pra isso.
Os índios isolados da região, verdadeiros donos desse pedaço de Amazônia, não tem nada com isso. E serão eles, com certeza, mais uma vez que pagarão o maior preço pela invasão de suas terras por um grupo de traficantes e sabe-se lá mais que personagens.
Não dá mais pra esperar calado. Não vou mandar abraço pra ninguém. Meu coração está apertado. Quando sinto essa sensação, dificilmente erro.’
José Carlos dos Reis Meirelles é sertanista