Em sentença sobre divulgação de pesquisa do Ibope, juíza cita ‘liberdade de expressão’

A juíza eleitoral Maha Kouzi Manasfi e Manasfi, da 1ª zona, ao decidir sobre a publicação da pesquisa Ibope sobre a intenção de votos na capital Rio Branco, no penúltimo parágrafo de sua decisão se apegou à liberdade de expressão para indeferir ‘pedidos constantes’ do PSDB para que não permitisse a divulgação.

Também em trecho, a juíza ressalta que sua decisão não tever caráter político e, sim, técnico.

-De saída, é imperioso assentar que independemente de quem ajuizou (partido ou coligação) a presente representação minha decisão foi técnica, e não política.

Escreve a juíza para justificar sua decisão: (afinal é de se aplicar em beneplácito do in dubio pro reu (na dúvida, a favor do réu), isso porque a garantia da liberdade expressão e o direito à informação deverão prevalecer sobre a pretensão restritiva…)

Leia a sentença na íntegra que permitiu a TV Acre (Globo) publicar a pesquisa Ibope que aponta Marcus Alexandre, PT, à frente nas intenções de voto na capital Rio Branco:

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SENTENÇA – ‘Trata-se de impugnação de divulgação de pesquisa eleitoral, com pedido de liminar, ajuizada pelas coligações Produzir para Empregar, I, II, III, em desfavor de IBOPE e Rádio TV Amazonas Ltda, alegando, em síntese, que a pesquisa registrada no dia 12 de agosto de 2012 não apresentam todas as informações necessárias para sua divulgação, tais como: delimitação física (em que bairros). Além disso, existem itens na pesquisa capazes de influenciar o eleitor, pois há mistura de pesquisa eleitoral com avaliações de governos municipal, estadual e federal; identificação dos eleitores; e questionamentos sobre problemas da cidade.’

‘Com a inicial, vieram aos autos o instrumento de Procuração do advogado do Requerente fl. 09.

‘Em sede de cognição sumária, e à vista dos pressupostos processuais, deferi liminar de fls. 23/28, que suspendeu a divulgação dos resultados e notificação dos representados, para defesa em 48 (quarenta e oito) horas.

‘As Notificações dos Representados foram cumpridas no dia 17/08/2012 (fls. 31 e 32).

‘A Rádio TV do Amazonas Ltda, embora regularmente notificada, não se manifestou formalmente, deixando transcorrer in albis (em branco) aquele prazo.

‘Com relação ao IBOPE, após regular notificação, apresentou defesa escrita, cumulada com pedido de reconsideração de fls. 60/67, pugnando a liberação imediata da divulgação dos resultados da pesquisa.

‘O IBOPE, por meio de seus advogados, afirmou a regularidade da pesquisa devido ao respeito às exigências para divulgação conforme legislação eleitoral. E mais, a pesquisa de rejeição/aprovação é comum; que há o sigilo na identificação do entrevistado, no entanto, a coleta de tais dados é fundamental para legitimidade ou idoneidade da pesquisa. Por fim, argumenta que a divulgação com base na liberdade de expressão e informação e como tal é garantia constitucional.

‘Juntou documentos de fls. 68/85. Por fim, o IBOPE informou que os questionários originais não estão em Rio Branco, e sim em São Paulo/SP (fls. 86/88) e requereu juntada de mais documentos, consoante se vê às fls. 90/108.

‘O parquet Zonal emitiu Parecer (de fls. 112/117) em que se posiciona a favor da divulgação da pesquisa, inclusive a respeito da avaliação de governo, uma vez que esta consta todas as informações obrigatórias.

‘Logo após, e considerando todos os esclarecimentos feitos pelo IBOPE e o Parecer do Ministério Público Eleitoral, a fim de se verificar a eventual perda do objeto pelo autor, deferi vista às partes em 24 (vinte e quatro) horas, já que o ideal seria uma medida judicial sem oposições, em face da repercussão possível da decisão final.

‘Por derradeiro, após notificada, a Coligação Produzir para Empregar I, II e III manifestou-se no sentido de manter a impugnação em definitivo proibindo a divulgação dela, bem como juntou vários documentos de fls. 122/217.

‘Vieram-me os autos conclusos.

‘É o necessário relato. Passo a decidir.

‘Inicialmente, registro que em nenhum momento se ventilou acerca de eventual nulidade processual, o que constitui, por pressuposto, a perfeita adequação ao procedimento. Argui-la, agora, incidiria ofensa ao princípio venire contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório), já que se operou, no plano fático-jurígeno, preclusão consumativa.

‘A Rádio TV do Amazonas Ltda (TV ACRE) foi notificada à fl. 31, restando impróspera alegação de violação do art. 8º da Resolução n. 23.364/2011. Apenas não se pronunciou judicialmente, mas isso não impede o julgamento do presente feito.

‘No que tange ao pedido de juntada dos 602 (seiscentos e dois) questionários utilizados na pesquisa, penso que essa medida é incabível na via estreita do art. 96 da Lei Federal n. 9.504/2012, razão pela qual indefiro aplicando-se, ao caso, a mesma ratio acima (venire contra factum proprium). E, assim, resta prejudicado o pleito de segredo de justiça.

‘Por derradeiro, e considerando que em sede de representação as provas deveriam ser pré-constituídas (e outras, em tempo oportuno), desde que o Representante as tivesse indicado na petição inicial não comportando na hipótese de dilação probatória (art. 96, §1º, da Lei Federal n. 9.504/97. Nesse sentido, o TSE assentou que:

‘O verbo “indicar” refere-se àquelas provas que, dada sua natureza, não se compatibilizam com sua imediata apresentação; autor e réu devem produzir as provas com a petição inicial e contestação. Ac-TSE n. 490/2002.

‘Assim, ao passo que indefiro a juntada intempestiva dos documentos de fls. 128/217, determino ser desentranhadas dos presentes autos, pois, agora, não se permite validamente ampliar o horizonte probatório e, por vezes, são estranhas ao objeto dos presentes.

‘Sem outros preliminares, avanço ao mérito.

‘De saída, é imperioso assentar que independemente de quem ajuizou (partido ou coligação) a presente representação minha decisão foi técnica, e não política.

‘A Resolução n. 23.364/2011 assentou em seu § 2º o art. 17 que “Considerando a relevância do direito invocado e a possibilidade de prejuízo de difícil reparação, o Juiz Eleitoral poderá determinar a suspensão da divulgação dos resultados da pesquisa impugnada ou a inclusão de esclarecimento na divulgação de seus resultados”.

‘Neste caso, a suspensão da divulgação pesquisa foi legítima; mas daí a impedi-la em definitivo não merece prosperar. E, em consequência, parafraseando o poema de Augusto dos Anjos “a mão que aplaude não poderá ser a que apedreja”.

‘Fato é que, estando o Juiz diante de prova (se suficiente ou não) faz surgir dois caminhos: Condenar o acusado [representado], correndo o risco de se cometer uma injustiça, ou absolvê-lo, correndo o risco de se colocar nas ruas, em pleno convívio com a sociedade, um culpado. A melhor solução será, indiscutivelmente, absolver o acusado [representado], mesmo que correndo o risco de colocar um culpado nas ruas, pois antes um culpado nas ruas do que um inocente na cadeia. (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 15ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 35).

‘Assimilando essa ideia, cabe alertar que não há nestes autos elementos probatórios coesos aptos a sustentar ocorrência de fraude na pesquisa eleitoral do IBOPE, os quais deveriam ser latentes para sustentar ato censurável de liberdade de expressão e de informação.

‘Por sua vez, isso não significa que a essência da decisão se perdeu em razão do tecnicismo processual.

‘A questão longe de ser pacífica; ao contrário merecia um rito processual mais elástico para se verificar a fundo todas as ponderações e análises feitas, mas que, nesta via processual eleita, não seria possível.

‘Por outro, a decisão liminar há de ser reconsiderada em dois aspectos assentados: a observância da faculdade prevista no art. 1º, §6º, da Resolução, no que toca ao prazo de até 24 (vinte e quatro) horas para se delimitar a área física (bairros onde se fez a pesquisa), o que foi devidamente comprovado às fls. 79/85.

‘A outra foi a conclusão de que poderia haver uma vinculação entre o programa Ruas do Povo e o primeiro item – calçamento de ruas e avenidas. Ao que parece se trata de infeliz coincidência, pois o formulário, com idêntico teor, foi utilizado no País inteiro, e seria extremamente frágil mantê-lo enquanto fundamento idôneo.

‘No que tange ao aspecto de violação ao princípio da isonomia substancial, ainda suscitam dúvidas e questionamentos, pois, como dito alhures, a essência das considerações expostas na decisão não foi alterada.

‘À medida que num panorama de 5 (cinco) opções a favor a um só partido (no caso o PT) e um só para os demais, poderia revelar, se no caso concreto fosse comprovado, não só a potencialidade de induzimento, como também a própria fraude na pesquisa.

‘Outro ponto insuperável é o patente desvio de finalidade da pesquisa, consistente na total impertinência no tema Eleições Municipais de 2012 ser tratado cumulativamente aos itens da atual administração a ser sucedida e nos níveis estadual e presidencial, que não por acaso estão os políticos do Partido dos Trabalhadores – PT.

‘Eleições Municipais deverão ser tratadas isoladamente, até para não dar a impressão (como de fato deu) pela vicissitude da pesquisa cujos resultados poderiam carregar a pecha de não refletir a realidade, em face da coalizão de vários cenários externos. Nas próximas, quero crer, o IBOPE em Rio Branco, por livre espontânea vontade, deverá excluir tudo que não se trate de eleições municipais, logrando, a partir daí, sua credibilidade desacreditada até por políticos da base aliada dos governantes do País.

‘Se a atual administração municipal local, assim como o governo estadual ou a presidência pretenderem avaliar suas gestões, que contratem cada um a sua pesquisa. A carona nas pesquisas alheias, no Acre, não são bem-vindas.

‘Outro ponto que merece reflexão é a forma de controle a fim de preservar a identidade do entrevistado. Alega o IBOPE que há uma tarjeta adesiva que impede a identificação do entrevistado, preservando-lhe a identidade. Tá bom; é preciso assentar que há 70 anos o IBOPE faz pesquisas neste País.

‘Ora, a impressão que tenho não é das melhores quanto à preservação da identidade do entrevistado, já que o método de controle pode (parece, na verdade!) ser falível e precisa ser melhor aperfeiçoado.

‘Assim é que para se medir qualitativamente uma Constituição, faz-se necessário como afirma KONRAD HESSE, por sua capacidade de possibilitar e garantir um processo político livre – o que se relaciona fortemente com a normatização da disputa eleitoral -, além de constituir, de estabilizar, de racionalizar, de limitar el poder” e de assegurar a liberdade individual.

‘Afinal é de se aplicar em beneplácito do in dubio pro reu (na dúvida, a favor do réu), isso porque a garantia da liberdade expressão e o direito à informação deverão prevalecer sobre a pretensão restritiva ainda que legislativa do Estado – sempre interpretada pela via excepcional.

‘Por essas razões, e por outras melhores que ocorrerão nas instâncias superiores – e, ainda, sem divergência do pensar do Ministério Público Eleitoral, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos constantes da representação, forte no art. 35 do Código Eleitoral.

‘Expeça-se o necessário. Publique-se. Notifique-se e cumpra-se. ‘

Rio Branco, 24 de agosto de 2012, as 22h.

MAHA KOUZI MANASFI E MANASFI
Juíza Eleitoral da Primeira Zona

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