Texto de Breno Altman, publicado no Opera Mundi e no Conversa Afiada, que publico aqui também nesta coluninha
Quando amanhecer o dia 31 de março, o país estará tomado pela recordação de uma etapa histórica dramática. Milhões de brasileiros lembrarão – e serão lembrados – dos 50 anos da deposição do presidente João Goulart por um bloco cívico-militar que imporia a longa ditadura dos generais.
Muitos artigos e entrevistas, nos mais diversos veículos de comunicação, resgatarão os fatos daquele período. Homens e mulheres da resistência contarão a epopeia da luta antifascista e o terror da repressão. Até cúmplices e protagonistas do golpe de 1964, como é o caso de boa parte da velha mídia, verterão lágrimas de crocodilo pela sedição antidemocrática.
Aberrações também terão vez. Militares da reserva, e oxalá que apenas esses, celebrarão o feito e farão apologia do crime de lesa-pátria que orgulhosamente exibem em sua biografia. Pequenos grupos de reacionários também andam mostrando suas garras.
Milhares e milhares de cidadãos, no entanto, estarão à espera que se pronuncie a voz de uma só mulher. Uma valente militante contra a ditadura, que enfrentou tortura e prisão. Quis o destino que essa combatente, Dilma Vana Rousseff, viesse a ser presidente da República no cinquentenário do regime militar. Ela poderia, como representante maior do Estado, falar à nação sobre aquela era sombria.
Um discurso breve e contundente, que permitisse ao país fechar as cicatrizes do arbítrio, determinar responsabilidades históricas e anular o ultraje institucional que ainda permite, a torturadores e assassinos, esconder seus crimes ou reivindica-los com galhardia. Talvez algo como as palavras abaixo entrelaçadas:
“Brasileiros e brasileiras,
Dirijo-me essa noite à nação, como presidente da República e comandante-em-chefe das Forças Armadas, para falar de um momento trágico de nossa história. Refiro-me ao golpe militar de 1964, que chega hoje a seu cinquentenário.
Oficiais de então, aliados a setores antidemocráticos do parlamento e da sociedade civil, levaram os três ramos de nossas estruturas militares a romper com a Constituição, impondo um regime de terror e arbítrio que durou 21 anos.
O presidente João Goulart, governante legal e legítimo, foi derrubado porque a política de reformas que implementava, a favor da distribuição de renda e riqueza, em defesa da independência nacional e do nosso desenvolvimento, contrariava interesses poderosos, aos quais se alinharam os generais que assaltaram o poder.
Os protagonistas dessa sedição cometeram um crime de Estado. Governaram através do terror, pisotearam a democracia, calaram a imprensa e as organizações populares. São responsáveis por delitos de lesa-humanidade.
Cabe a mim, pelas funções institucionais que exerço, pedir desculpas à nação, em nome das Forças Armadas, por estes fatos que envergonham nossa história.
Quero comunicar que ordenei, através do Ministério da Defesa, a leitura de ordem do dia, em todos os quartéis, condenando os crimes da ditadura, proibindo qualquer forma de apologia ao regime militar e assumindo o compromisso que jamais o Exército, a Marinha e a Aeronáutica brasileiras voltarão a pisar em nossa Constituição. Nunca mais as armas da pátria serão usadas contra o povo e a democracia.
Também desejo lembrar todos os que dedicaram sua vida à resistência democrática. Centenas foram assassinados ou estão desaparecidos. Milhares se defrontaram com a prisão e a tortura. Muitos acabaram banidos ou obrigados ao exílio. O Estado brasileiro considera esses homens e mulheres heróis nacionais, a quem muito devemos a reconquista da liberdade.
A Comissão da Verdade, instituída por meu governo, logo chegará a relatório conclusivo sobre este período histórico, depois de longa investigação. Estaremos prontos, então, para novo salto civilizatório, como determinam pactos internacionais dos quais é signatário o Brasil. Nossas instituições terão que decidir se é aceitável que crimes dessa natureza continuem impunes, com seus autores protegidos por uma lei imposta pela própria ditadura.
Boa noite. E obrigada pela atenção.”
Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi