Autor: Luiz Flávio Gomes
IAB
Quais penas e/ou medidas são mais adequadas contra os larápios que praticam a pilhagem do patrimônio público (ou contra quem é acusado de fazê-lo)? O tema é muito polêmico. Se deixado por conta do clamor popular, da paixão e do prazer da vingança, que é uma festa (Nietzsche), seria a prisão ou a pena de morte. Esta última é proibida pela Constituição brasileira, salvo em caso de guerra externa. Num país subdesenvolvido como o Brasil, com recursos públicos escassos para suas tarefas antimiséria, o ressarcimento dos danos combinado com o máximo empobrecimento (dentro dos limites legais) dos ladrões do erário público se mostra mais adequado. Isso foi dito, em outras palavras, pelo Min. Barroso, ao negar a progressão de regime a réu do mensalão do PT que não quis pagar o valor da multa a que fora condenado (Agravo Regimental na EP 12).
Nosso atraso cultural, no entanto (e disso constitui exemplo o ver a terra como um “vale de lágrimas”, porque desde o pecado original nascemos apenas para a dor e o sofrimento), tem nos conduzido a usar a prisão como panaceia para nossos males, deixando a riqueza do larápio intacta (ou só parcimoniosamente afetada). O ladrão vai para a cadeia (quando vai), mas continua rico. O crime compensaria (eis a triste mensagem). Todavia, especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública – como também nos crimes de colarinho branco em geral -, a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, há de ser a de natureza pecuniária (disse o ministro). Esta, sim, “tem o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvam apropriação de recursos públicos”.
É preciso sinalizar “para todo o país acerca da severidade [econômica, não necessariamente prisional] com que devem ser tratados os crimes contra o erário”. Em matéria de criminalidade econômica, “a pena de multa há de desempenhar papel proeminente. Mais até do que a pena de prisão – que, nas condições atuais, é relativamente breve e não é capaz de promover a ressocialização -, cabe à multa o papel retributivo e preventivo geral da pena, desestimulando, no próprio infrator ou em infratores potenciais, a conduta estigmatizada pela legislação penal” (Barroso). Para isso, no entanto, é preciso labutar pela certeza do castigo, porque é dela que se pode esperar a prevenção da criminalidade (particularmente do colarinho branco, que se converte em criminalidade cleptocrata quando praticada pelos donos do poder).
Todos os países que conseguiram êxito no controle da corrupção combinaram três coisas: (1) educação da besta humana pouco domesticada (Nietzsche), sobretudo no campo ético, (2) medidas preventivas (rigoroso controle das funções e dos funcionários públicos mais transparência absoluta dos seus atos e contratos) e (3) certeza do castigo (império infalível da lei). Não basta e muitas vezes é até mesmo desnecessário aprovar novas leis penais mais duras; é preciso fazer do “império da lei” uma realidade (o mais possível infalível). O humano sempre julgou necessário “criar uma memória, uma recordação, do que foi feito de errado” (Nietzsche).
No caso dos criminosos do colarinho branco essa memória tem que passar pelo desempossamento sobejante dos bens acumulados ilicitamente (gananciosamente). Seu empobrecimento no grau máximo proporcional possível (conforme o Estado de Direito) é que constitui o seu suplício, o martírio ou mesmo o sacrifício cruento, que cumpre o papel que nos povos mais subdesenvolvidos desempenhavam os “mais espantosos holocaustos e os compromissos mais horríveis (como o sacrifício do primogênito), as mutilações mais repugnantes (como a castração), os rituais mais cruéis de todos os cultos religiosos (porque todas as religiões foram em última análise sistemas de crueldade) (Nietzsche). O empobrecimento do larápio do dinheiro público pode atender aquele instinto que descobriu na dor o auxílio mais poderoso da mnemotécnica. Mas somente o castigo efetivamente cumprido e adequado pode cumprir esse papel preventivo. Não é a intensidade da lei, sim, a certeza do castigo que pode gerar prevenção.