Crônica de Dandão: Bons biriteiros

cronica

Francisco Dandão – Um dia desses, numa crônica passada, escrevi sobre jogadores de futebol que não resistem à tentação de tomar umas e outras, ainda que seja véspera de jogo e que o time esteja concentrado. Para esses, não tem barreira que consiga segura-los. Se o vigilante cochilar, os caras dão um jeito de fugir.

Naquela oportunidade, eu disse que a maioria desses camaradas chegados a uma carraspana não se aguenta nas pernas no jogo imediatamente seguinte à farra. E, por assim ser, jogam se arrastando no campo, letárgicos, sonâmbulos, sem ânimo pra nada e não chegando nas bolas mais fáceis.

Mas eu disse também que existiram (ainda existem?) fenômenos que jogavam ainda melhor quando bebiam. E dei dois exemplos: Garrincha, o gênio das pernas tortas que deslumbrou o mundo na década de 1960, e Bico-Bico, que fazia a alegria das plateias do futebol acreano, na década de 1970.

Especificamente falando do futebol acreano dos anos românticos do amadorismo (até 1988), os craques chegados ao samba e à cerveja costumavam usar um artifício farmacológico para não sentirem os efeitos da ressaca. O recurso, no caso, era um injetável denominado Glucoenergan.

Desenvolvido pelos químicos na primeira metade da década de 1960, o Glucoenergan era aplicado diretamente na veia dos clientes e agia com a dupla finalidade de suprimir o apetite e proporcionar doses extras de energia aos seus usuários. O sujeito tomava esse troço e corria feito um cavalo.

Com esse artifício, quase nenhum “atleta” levava a sério as orientações dos profissionais de educação física. No mais das vezes, o “preparo físico” consistia em umas corridinhas ao redor do campo, duas dezenas de “polichinelos” e uma dúzia de “cangurus”. O resto era com a “Gluco”.

É claro que depois que o efeito do medicamento passava, a pessoa que dele fizera uso ficava em estado lamentável de profundo e absoluto cansaço, sem ânimo pra nada. O que importava, porém, aos olhos da maioria, era que no jogo todo mundo via a disposição física ostentada pelo usuário/jogador.

E o pior: como não existia a compreensão de que uma injeção não podia ser aplicada em mais de uma pessoa com a mesma seringa (ainda que “esterilizada” em água fervente, como se fazia à época), procedia-se assim, provocando, via de regra, a contaminação de todo o grupo submetido ao ato.

Dessa forma, por conta dessas vias transversas, muitos craques do futebol acreano (e de outras paragens), ganharam fama de bons biriteiros, meio que super-homens que tomavam todas na véspera do jogo e que depois não davam nem sinal de cansaço dentro de campo. Era outra época!

Francisco Dandão – cronista.

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