Histórias reais: A esquerda católica em Tarauacá

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MINHA RAÍZES E A JUVENTUDE ESQUERDA CATÓLICA

Chagas Batista – Em 1985 voltei a Tarauacá após uma temporada de muito risco e sofrimento em Rio Branco. Eu continuava nas trevas da escuridão, Precisava avistar um horizonte que me guiasse para luz. Embora estivesse voltado ao convívio com a minha família, a falta de oportunidades e a discriminação não me dava sossego.

(…) sem sossego (…)

Minha rotina diária era sempre a mesma. Durante o dia, nada produtivo. À noite, saía para encontrar com um círculo estreito de amigos. Eram poucos, não passava de meia dúzia. Um determinado dia fui à Praça Tarauacá e encontrei um grupo de jovens (mais esquisito que eu) tocando viola. Dois usavam colares e pulseiras com dentes de macacos, jacarés, onças e tudo que era bicho. As músicas mais tocadas eram Geni de Chico Buarque, José, de Paulo Diniz e Cidadão, de Zé Geraldo. Tocavam também músicas de Padre Zezinho

(…) na praça….(…)

Fiquei observando aquela cantoria e um dos membros do grupo aproximou-se dizendo pertencer a um grupo de jovens da Igreja católica. Falou que estavam recrutando jovens para formar um grupo para lutar pelos direitos da juventude. Mesmo com a praça escura, vi uma clareira abrir em minha frente. Fui convidado para fazer parte da organização do grupo e aceitei prontamente. O grupo se Chamava JESC- Juventude esperança comum.

(…) JESC (…)

A farda era vermelha, o escudo tinha um fundo branco com um sol encarnado. As reuniões eram realizadas todas as tardes no Coreto da praça, ao lado da igreja. Numa reunião fui chamado a assumir tarefas de direção. O mais difícil foi aceitar participar de uma peça de teatro com mais 20 personagens.

(…) tarefas (…)

A peça exibia personagens do agricultor, o fazendeiro, o seringueiro, a prostituta, o maconheiro e outros. O personagem que eu iria representar se chamava “O Guerrilheiro”. Fiquei aperreado, eu não sabia (como até hoje não sei) representar. Na apresentação da peça, o diretor ficava perguntado aos atores o que significava a paz para cada um.

(…) Guerrilheiro (…)

Lembro que eu, o guerrilheiro, respondia com extrema rebeldia: “ Minha paz é ter a certeza que do cano do meu fuzil sairão pão, escolas, saúde e agasalho para meu povo. É ver a queda e o desprezo dos generais que transformam proteção oficial em repressão sangrenta e camuflada. É escrever com luta e garra a história do meu povo. É levantar do chão com braços firmes, mãos unidas cruzando montanhas…. Nem sequer sabia o que era realmente um guerrilheiro. Todavia fui me apaixonando pelo personagem e o grupo.

A militância no JESC era muito grupal. A gente não dava importância a título ou cargo. Eu estava feliz porque fazia parte de um grupo de pessoas extremamente ligadas entre si, com uma convivência intensa. O grupo logo passou a assumir o protagonismo do movimento juvenil. Organizou grêmios livres nas escolas, Umes(União Municipal dos Estudantes) e fundou um informativo periódico chamado A VOZ DA LUTA. O Jesc decidiu expandir sua influencia além do movimento juvenil. Começou a visitar aldeias indígenas, organizar associações de moradores, associação de professores, fazer festivais de musicas e denunciar a corrupção política.

(…) movimento (…)

Os padres começaram a desconfiar que dentro da Igreja que era muito conservadora estivesse nascendo um movimento político de esquerda. As relações foram ficando ruins e o grupo que era composto em boa parte de jovem de classe média, também passou a divergir. Não é pretensão afirmar que o Jesc foi o cimento que pavimentou o caminho das idéias socialistas e de esquerda em Tarauacá. Falar do papel do Jesc demanda escrever várias paginas da nossa história, é analisar a construção de uma nova fase do pensamento mais avançado , progressista e conseqüente em Tarauacá.

Chagas Batista, de Tarauacá

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