O Grande Gatsby e a falência do sonho americano

Publicado em 1925, o romance de F. Scott Fitzgerald antecipou a crise moral das elites e a desconstrução do ideal meritocrático. Quase um século depois, o mundo repete o enredo, de Nova York ao Brasil profundo.

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Por L. do Vale – oestadoacre.com

Numa mansão iluminada à beira da baía de Long Island, Jay Gatsby promove festas monumentais que atraem políticos, artistas e socialites da Nova York dos anos 1920. Porém, por trás do brilho, o protagonista de O Grande Gatsby se revela uma figura trágica: um homem apaixonado por um sonho inalcançável, sustentado por riqueza, suspeita e ilusões sociais. Publicado em 1925, o romance de F. Scott Fitzgerald é uma leitura que atravessa o tempo – e que hoje ressoa como diagnóstico precoce de um colapso civilizacional.

No centro da narrativa está a crítica feroz à promessa de ascensão social baseada apenas no esforço individual. Gatsby, que veio da pobreza e reinventa sua identidade para conquistar status e amor, encarna o “sonho americano” em sua forma mais pura – e também mais frágil. Ele tem dinheiro, sim, mas jamais terá legitimidade entre os donos do poder de fato: os old money do East Egg.

A Geopolítica da Ilusão

Cem anos depois, a realidade parece repetir a ficção. A concentração de renda global atingiu o maior nível histórico, e a meritocracia virou palavra de ordem para justificar políticas que aprofundam a desigualdade.

O Brasil, em especial, viveu sua própria década “gatsbyana”: consumo em alta, acesso a crédito, novos-ricos. Mas, no subsolo, crescia o vale das cinzas – a metáfora que Fitzgerald usa para o espaço entre os ricos e os esquecidos, onde os olhos de um antigo outdoor observam tudo com frieza e indiferença.

Esses olhos – do fictício Dr. T. J. Eckleburg – são hoje os algoritmos, os mercados, os dados. Olham para nós sem ver. Monitoram sem sentir. Exigem produtividade enquanto o sonho escapa pela tela.

No plano geopolítico, essa lógica se reflete em políticas de curto prazo, exclusão das periferias e colapsos silenciosos de democracias. O sonho virou produto — e o fracasso, um crime pessoal.

Remando Contra a Corrente

O livro termina com a seguinte frase (não sei se existe frase mais melancólica):
“So we beat on, boats against the current, borne back ceaselessly into the past.”
(“E assim seguimos, botes contra a corrente, impelidos incessantemente de volta ao passado.”)

O sonho americano – e seus equivalentes globais – pode não ter morrido. Mas está, há muito, em coma induzido.

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