Fiquei em 5º lugar na etapa final do Prêmio Jabuti de 2011 na categoria Reportagem. Indignado com algumas das notas Zero atribuídas ao meu trabalho e ao trabalho de meus colegas envolvidos na disputa, me sinto no dever de protestar.
Pra começar, a escala imposta pelo regulamento do concurso começa na nota oito e, fracionada, se estende até Dez. Este artifício tende a fazer com que sublimemos as notas mais baixas, já que, desde os tempos dos bancos escolares lidamos com a clássica escala que vai de Zero a Dez. Por exemplo, na escala jabotiniana, 8,50 equivale ao 2,50 da escala tradicional e, um oito redondo, a Zero.
Para não advogar só em causa própria, começo analisando o que aconteceu com o livro Assalto ao Poder, do jornalista Carlos Amorim. Na primeira fase, a obra recebeu dos dois jurados que a qualificaram para a final uma sequência significativa de notas Dez. Isso a colocou na condição de franca favorita ao prêmio.
Na etapa final, entretanto, o terceiro jurado entrou em cena torpedeando o trabalho de Amorim, sistematicamente.
Considerando a relação entre narcotráfico e poder um assunto deveras desimportante, este “especialista” escalado pela direção do Jabuti deu ao quesito Relevância do Tema nota 3,00, ou seja, 8,60 na escala adotada pelo Jabuti.
O cruel foi o 0,50 que o mesmo jurado atribuiu ao item Manejo do Texto, paradoxalmente contemplado com a nota máxima pelos seus dois colegas de banca.
Para se ter uma idéia da discrepância, as notas finais de Assalto ao Poder, usando-se a clássica escala de Zero a Dez, ficaram assim:
Com isso, a obra ficou em segundo lugar perdendo a estatueta de melhor livro-reportagem para 1822, de Laurentino Gomes.
No caso do meu trabalho, Pedro e os Lobos ― Os Anos de Chumbo na trajetória de um guerrilheiro urbano, a coisa foi ainda pior. Um dos jurados, o “B”, o brindou com tantos Zeros, que o livro acabou em 5º lugar.
De cara, o “Senhor B” já torceu o nariz para o tema. Na concepção desse “especialista” a história recente do Brasil não tem a mínima importância. Episódios como a renúncia de Jânio, a deposição de Jango e todo o período que os militares estiveram no poder ― incluindo aí, as ações de guerrilha urbana e rural, a tortura de presos políticos, a edição do AI-5, a censura, os movimentos populares pela anistia, as greves do ABC e o movimento pelas Diretas Já ― não merecem uma abordagem literária.
Pretendendo deixar muito claro esse seu ponto de vista, “B” tascou um retumbante Zero, isso mesmo, Zero ― ou oito redondo na escala proposta pelo Prêmio ― ao quesito Relevância do Tema da obra Pedro e os Lobos. O curioso é que esse mesmo jurado atribuiu nota máxima ao tema abordado por Laurentino Gomes em seu 1822.
Por esse prisma, a Independência do Brasil é uma matéria da mais alta relevância, enquanto o período que vai da posse de Jânio Quadros na presidência da República ao fim do governo João Figueiredo ― embutidos aí mais de vinte anos de ditadura ― não vale nada além dum Zero.
Para meu espanto, o “Jurado B” leu e releu Pedro e os Lobos – são duas as leituras previstas no regulamento durante o processo de classificação – e acabou por dar Zero também ao quesito Clareza e Objetividade do Conteúdo. Na visão deste “especialista”, meu trabalho não passa dum emaranhado ininteligível de dados desconexos.
O pior foi o Zero dado por “B” ao quesito Qualidade das Informações e Apuração de Fontes. Poxa! Para escrever o livro, ao longo de sete anos, cruzei o Brasil entrevistando personagens envolvidos na resistência armada contra os militares. Só com o Pedro Lobo e sua família foram trinta e sete horas de gravação.
Fora isso, li cerca de uma centena de livros, teses e dissertações sobre o tema e atravessei meses enfurnado em arquivos ― como o do antigo Dops de São Paulo, do Dops carioca, do Edgard Leuenroth da Unicampe os do SNI, CIEX e CENIMAR em Brasília ― revirando pastas, analisando processos e garimpando documentos.
Não bastasse esse trabalho de pesquisa, procurei assistir a todos os filmes e documentários produzidos sobre o tema e folheei incontáveis exemplares de jornais e revistas atrás de notícias e artigos que pudessem melhorar o meu trabalho. E tudo isso está muito bem registrado ao longo das 640 páginas do livro.
Mas o senhor “B”, em sua miopia crítica, leu e releu Pedro e os Lobos e nada viu que valesse pelo menos um atenuante meio. E aí foi outro Zero, a seco mesmo. Se pudesse ter acesso à identidade desse tal “Jurado B” ― o regulamento prevê apenas a divulgação do nome dos juízes em ordem alfabética -, não titubearia em perguntar:
― O que eu precisaria ter adicionado à minha pesquisa para merecer ao menos um mísero meio ponto no quesito Qualidade das Informações e Apuração de Fontes? ― E para atingir um Dez então, o que o senhor recomendaria que eu acrescentasse?
Considero que esse juiz tem todo o direito de ter odiado meu trabalho. Agora, ir distribuindo Zeros ao longo dos quesitos sem acrescentar qualquer décimo que os atenue, me parece um gravíssimo desatino. Afinal, ele dispunha duma escala fracionada que contemplava, no mínimo, uma graduação de dezoito alternativas entre a nota mínima e a máxima.
Acredito que só um livro em branco poderia merecer o tratamento dado a Pedro e os Lobos pelo “Senhor B”. E meu livro, em absoluto, não é composto duma sequência de folhas vazias. Estão nele 216.384 palavras razoavelmente alinhavadas ao longo de 640 páginas. Nesse texto se sucedem depoimentos inéditos, relevantes fatos históricos, citações de outros autores, além de poesias e trechos de músicas que marcaram um dos períodos mais conturbados da nossa história.
E todo este material foi organizado por alguém que se formou em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes da USP, universidade onde também cursou História. Portanto, o Zero dado a este quesito por um jurado anônimo, que nunca vai ter sua identidade ou formação acadêmica revelada é, em qualquer análise, totalmente inaceitável.
A discrepância das notas do “jurado B” em relação aos seus colegas fica evidente quando se olha o quadro das avaliações de Pedro e os Lobos na segunda e última fase do Jabuti. Usando a escala de Zero a Dez, temos:
Convenhamos, pelas notas mostradas acima, dá pra ver que o “B” faz absoluta questão de caminhar na contramão, ou não tem a menor noção do que está fazendo.
Voltando à análise dos juizes em relação ao trabalho dos colegas, se percebe outro grave problema nas notas atribuídas ao O Cardeal e o Repórter. O livro do jornalista Ricardo Carvalho levou três Zeros. Dois deles pela total, na opinião dos juízes, desimportância do tema. Convenhamos, dar Zero pra uma sequência de entrevistas com dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal que tanto lutou pelos direitos humanos no Brasil é, no mínimo, um imenso pecado.
Outra obra execrada pelo júri do Jabuti na fase final foi Os Sertões ― Um livro reportagem de Fabiana de Moraes. Um dos “especialistas” a serviço do Prêmio, sem dó nem piedade, mandou-lhe uma saraivada de quatro notas mínimas. Zero pela Relevância do Tema, Zero para a Qualidade de Informação e Apuração de Fontes, Zero na Clareza e Objetividade do Conteúdo e Zero no Manejo do Texto. Isto, se considerando que o trabalho foi classificado para a fase final em 7º lugar, num universo de quase sessenta livros inscritos na categoria.
Nesta insana distribuição de notas mínimas, até a obra assinada por Luiz Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura e Arthur Dapieve acabou contemplada. É difícil de entender como o tema de Um Papo Sobre o Tempo, escrito por trinca tão significativa do nosso universo literário, possa ter importância Zero.
Não estamos diante de um prêmio qualquer. O Jabuti tem 53 anos ― por coincidência, a minha idade ― e ainda goza de grande reputação. Portanto, proponho aos seus organizadores que cancelem, ao menos, esta segunda e definitiva etapa de classificação e, que uma nova equipe de jurados seja montada a partir da indicação de editores de cultura dos principais órgãos de imprensa brasileiros.
Só com uma nova avaliação das obras, desta vez com uma banca de jurados comprovadamente qualificada e a partir de critérios técnicos transparentes, o nosso querido Jabuti vai conseguir se salvar do brejo da desmoralização.
João Roberto Laque
21 de outubro de 2011