O PREÇO DA FLORESTA: Miséria e devastação na Amazônia Peruana

A viagem pela Interoceânica tem cenários paradisíacos oferecidos pela parte peruana da floresta Amazônica. Mas nem tudo é tão bonito quanto parece. A falta de uma legislação ambiental mais severa, como a brasileira, faz com que esse paraíso tropical fique à mercê de uma exploração selvagem e predatória que assusta até mesmo quem já
está acostumado com tanta devastação.

Estamos nos referindo à exploração de garimpeiros no departamento de Madre de Dios
(Peru), que tem em sua capital, Porto Maldonado, uma cidade de aproximadamente
100 mil habitantes, a grande vitrine de uma grande redenção econômica, mas onde a
natureza paga um preço muito alto e compromete o futuro da humanidade.

Conhecer esse lugar não é difícil. A viagem, de fato, começa em Assis Brasil (Acre),
última cidade brasileira antes de entrar em território peruano. A burocracia também
é simples. Basta apresentar a carteira de identidade em um posto avançado da Polícia
Federal na alfândega local e pronto. Tudo fruto de uma parceria diplomática realizada
em 2006 entre os ex-Presidentes Lula (Brasil) e Alan Garcia (Peru).

Do lado peruano, a primeira localidade é Inãpari, que conheceu um verdadeiro surto de
crescimento depois da pavimentação da Interoceânica. Nesta vila também é preciso tirar
um “permiso” para continuar dentro do território peruano. É necessário ainda apresentar
a documentação do veículo, quando for o caso, para continuar a viagem.

Pelo menos por enquanto, a Interoceânica do lado peruano está fazendo o efeito inverso
do processo econômico. A gasolina, por exemplo, que antes custava o equivalente a
R$ 1,50, hoje custa em média R$ 2,00. Até mesmo o “sole” (moeda peruana) sofreu
uma valorização que ainda não reflete a realidade da economia local. Com um real é
possível comprar apenas um 1,6 sole. Se o câmbio for realizado em Porto Maldonado,
essa relação cai para apenas 1,2 sole.

Até chegar a Porto Maldonado, a capital do departamento de Madre de Dios, são
várias vilas e localidades que, a apesar da estrada completamente pavimentada, ainda
não trouxe resultados imediatos. O que fica desejar na questão sócio-econômica, é
compensado pela bela paisagem peruana, mística e encantadora, beleza que é ameaçada
pela exploração irracional.

Porto Maldonado é uma cidade organizada dadas as condições de isolamento histórico

em que vivia até bem pouco tempo. Quando passamos pela cidade, a ponte sobre o rio
Madre de Dios ainda não havia sido inaugurada e foi preciso utilizar uma embarcação
que cabia apenas um veículo para fazer a travessia. Pagamos 10 soles, o que equivalente
a seis reais e continuamos a viagem.

Uma paisagem desoladora

O objetivo de nossa viagem era chegar até aos garimpos peruanos, que ficam
localizados entre as cidades de Porto Maldonado e Masuco, último ponto antes de
se começar a subir de fato a cordilheira dos Andes. A beleza e o encanto da floresta
ficaram para trás. Depois de percorrer pouco mais de cem quilômetros após a travessia
do rio, a floresta mais parece um deserto.

Não é apenas um garimpo. São vários. Alguns estão, como dizem os moradores, em
decadência, e por já não se extrair o volume de ouro desejado, são simplesmente
abandonados, enquanto outros ainda estão sendo abertos. No primeiro deles que
encontramos, foi preciso percorrer uma distância de pouco mais de sete quilômetros
dentro daquilo que um dia já foi mata virgem para chegar ao local da exploração. Um
morador cobrou 20 soles (R$ 12,50) pela “viagem”.

Por ser um garimpo já estabelecido, há um amontoado de lonas e pequenas cabanas que
servem como lojas, fornecendo todo o material necessário à manutenção da vida no
local e também à exploração do ouro. Tem de tudo um pouco e os comerciantes locais
reclamam que já não tem mais tanto lucro quanto gostariam. Alguns já pensam até em
deixar a pequena vila.

O que chama a atenção é o fato de haver poucos brasileiros trabalhando nos garimpos.
Não apenas brasileiros, mas também peruanos de outras regiões também não são bem
vindos. A disputa por ouro é intensa, o que faz com que a violência também faça parte
do cotidiano dos moradores.

Voltando à paisagem. As margens da rodovia Interoceânica, no trecho entre as duas
cidades mais parece um queijo suíço. Olhando por fora, a impressão que se tem é de um
imenso deserto. As primeiras copas de árvores da floresta começam a aparecer no final
no horizonte e a cena se repete por vários quilômetros da “carretera”.

Mais adiante, um novo garimpo que ainda está sendo aberto. Descemos do nosso carro e
andamos um pouco adentro daquilo que um dia foi a floresta. Passamos desapercebidos
num primeiro momento, mas logo fomos convidados a deixar o local. Se garimpeiros
já não são bem vindos, tampouco “periodistas”, principalmente brasileiros. Tiramos
algumas fotos e nos apressamos em sair do local.

Os garimpeiros tem plena consciência do que estão fazendo. Sabem da degradação
ambiental causada e conhecem os riscos, principalmente os ligados à saúde. Mas
continuam. Afinal, é preciso pagar um preço pelo “desarrollo”, mesmo que esse preço
venha em forma de vidas ceifadas desnecessariamente e em forma de degradação
ambiental que vai custar caro para filhos e netos.

Um rio poluído

Em Porto Maldonado, atravessar o Madre de Dios já não é uma aventura. A ponte já foi
inaugurada e é o orgulho dos moradores. Mas chegamos à cidade um pouco antes da
liberação da ponte e, por isso, tivemos ainda que enfrentar a odisséia da travessia pelo
rio que, no Brasil, é o Madeira. A fila de veículos (brasileiros e peruanos) se estendia ao
longo da estrada. Os caminhões eram obrigados a esperar uma balsa maior, com mais
estrutura para agüentar o peso dos veículos. Em nosso caso, tivemos que esperar uma
pequena embarcação onde cabem algumas motos e apenas um carro de cada vez.

O processo em embarque é, digamos, sui generis. Entra-se na embarcação de marcha
ré e o ajudante da balsa coloca duas tábuas improvisadas que são retiradas durante a
travessia e recolocadas para desembarcar do outro lado. Qualquer erro de cálculo pode
estragar a viagem. Felizmente, a ponte eliminou esse tipo de aventura.

No Brasil, o Madeira é um rio caudaloso e que impressiona não apenas pela extensão,
mas também pela largura. Mas não é bem assim com o Madre de Dios. Bem mais
curto, a preocupação é quanto à poluição. É que para fazer a exploração do ouro, os
garimpeiros utilizam o mercúrio que acaba sendo despejado às margens do rio.

E como o rio desce em direção ao Brasil, parte desse produto utilizado de forma
indiscriminada acaba chegando também ao país, involuntariamente. Outro dano
ambiental em que os garimpeiros peruanos passam incólumes e como seus próprios
filhos também não fossem afetados.

A cidade do ouro

Partindo de Assis Brasil, são aproximadamente 230 quilômetros até chegar a capital do
departamento peruano de Madre de Dios, Porto Maldonado. Uma viagem que, se não
fossem as centenas de quebra-molas ao longo da Interoceânica, poderia ser feita em
cerca de três horas.

Antes de chegar à “capital” do ouro, entretanto, a rodovia Interoceânica oferece uma
série de vilas e pequenas comunidades que pararam no tempo. Lugares bucólicos onde
a preguiça do cachorro reflete a velocidade com a qual a comunidade se movimenta. A
estrada ainda não abriu os horizontes para o crescimento. Também pudera. Do ponto de
vista da geopolítica peruana, estão na última ponta e devem ser os últimos a sentir os
efeitos de um desenvolvimento que ainda não chegou.

Em Porto Maldonado. A ponte é, além do novo cartão postal, também o anúncio da
chegada. Dentro do perímetro urbano percebe-se, de pronto, os efeitos que os garimpos
exercem sobre as atividades comerciais da cidade. Não se anda muito e logo se acham,
por exemplo, dezenas de casas que fazem câmbio com o metal reluzente.

E não é somente elas. Diversas lojas, grandes e pequenas, se especializaram em atender
as necessidades dos garimpeiros, principalmente no que diz respeito à aquisição de
máquinas e equipamentos para a exploração aurífera. A conseqüência é uma cidade que
cresce numa proporção inversa à preocupação com o meio ambiente.

Mas não deixa de ser uma cidade organizada. Tanto no sentido do seu plano diretor,

com quadras bem definidas e para o visitante até certo ponto fácil de andar e se achar,
quanto também da oferta de produtos como hotéis e restaurantes. Por lá, além do ouro,
a moeda que os moradores conhecem e valorizam é o dólar. A moeda brasileira não é
encontrada com facilidade e não tem importância econômica para eles.

Enquanto houver ouro, Porto Maldonado vai crescer, embora não se saiba a que preço.
Enquanto houver garimpos, a Amazônia continuará sendo, do lado peruano, explorada
de forma desordenada e criminosa. Enquanto houver a cobiça de riqueza fácil, as
gerações, não apenas do Peru, correrão perigo. E enquanto grandes quantidades de
produtos químicos forem jogados ao longo do rio, haverá doenças do corpo e da alma.

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