Artigo de Marina na ‘Folha de S. Paulo’: Diz Ricardo Goldenberg, no livro “Política e Psicanálise”: “O leão só salta uma vez, dizem os caçadores, para significar que não terão segunda chance se atirarem fora da hora. O instante não dá outra oportunidade, a surpresa cobra soluções de improviso, no susto”.
Tenho dito e repetido: é hora de metabolizar, não de capitalizar. Para além das reações, podemos construir respostas, reelaborando, sobretudo, os improvisos que a surpresa do momento nos obriga a fazer e colocando em debate as soluções dadas no susto.
De nada adianta o frenesi de anúncios com pompa de grandes soluções, sem a sincera disposição de ver e perceber, de escutar e compreender o que dizem as manifestações. Se formos capazes de ver mais que a superfície, o que fizermos terá maior altura e profundidade.
Nossa nova visão deve se traduzir numa agenda de país, não numa mera pauta de reivindicações. Essa agenda nos fará evitar o que vinha ocorrendo a olhos vistos: o sacrifício dos valiosos ganhos econômicos e sociais dos últimos anos em função do atraso do sistema político e da baixa qualidade de nossa representação.
Uma agenda para o Brasil sustentável pode ser feita com todos, a partir do novo termo de referência dado nas ruas. Os que anunciam ventos da mudança acordaram os que dormiam em berço esplêndido na Esplanada. Agora, todos têm diretrizes para trabalhar.
Exemplos? A reforma política não deve ser para garantir a estabilidade de quem já tem poder, mas para melhorar a representação e ampliar a participação. O pacto federativo deve dar a Estados e municípios novas responsabilidades mas também novos meios para cumpri-las. A educação não deve ter só a promessa de recursos quando jorrar o petróleo do pré-sal, mas metas a serem alcançadas agora. A saúde, não só médicos visitantes, mas a revisão do sistema para ampliar a capacidade instalada. Além de arquivar a PEC 37, devemos ter instituições mais transparentes. Em tudo podemos ir mais alto e mais fundo.
É preciso estender às ruas o “nós” que responde à pergunta: quem escolherá as perguntas? Devemos ouvir quem já fornece ideias –como a conferência proposta pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
Basta reconhecer que o poder –se não está com todos– é de todos. Sem susto.