Por Marcos Dantas, professor titular da Escola de Comunicação da UFRJ, na Carta Maior
Última Hora não queria ser diferente dos principais jornais de sua época. Queria, sim, ser melhor do que eles naquilo onde os outros podiam se pretender bons. Não brigava com o padrão, mas, de certo modo, o aprimorava ou modernizava – como na revolução gráfica, isto é, formal, que realizou. Era diferente, porém, e nisto se distinguia, na orientação política subjacente de seu noticiário “nobre”, digamos assim, e, claro, na explícita posição editorial.
Sugerindo um exemplo que possa ser claro ao leitor atual, se, num determinado dia, a manchete principal de O Globo, Folha de S. Paulo e ainda capa de Veja, fosse a última suposta revelação de Paulo Roberto Costa; a da Última Hora seria um novo “furo”, isto é, noticia inédita (não comentário requentado sem nenhuma informação nova) sobre o “trensalão” tucano paulista. O leitor certamente não precisaria comprar O Globo ou A Folha se quisesse se informar sobre o futebol, a fofoca da atriz da novela (na época, a cantora do rádio), os acontecimentos internacionais, ou a eterna briga de polícia contra ladrão. Mas precisaria optar, na banca de jornal, se desejaria saber mais sobre o “mensalão” ou o “trensalão”. Aqui, a popularidade de Vargas, sem ignorar a qualidade editorial e jornalística do noticiário, decidiu a favor do jornal de Samuel Wainer.
E ele não demoraria a atingir a maior circulação da cidade do Rio de Janeiro, então capital da República e “tambor político” do país, como se usava dizer. Dali, em muito poucos anos, a Última Hora iria criar uma rede de franquias nacionais, com edições locais em várias outras capitais, a exemplo de São Paulo, Porto Alegre, Recife etc.
Samuel Wainer, jornalista que realmente era, entendia intuitivamente aquilo que sabe qualquer teórico sério de comunicação social: o público compra o que lhe interessa, não o que alguém pode pensar que interessa ao público a partir de suas próprias convicções, compromissos político-ideológicos ou mesmo preconceitos. Uma coisa é escrever crônicas políticas para um gueto de já convertidos; outra, fornecer informação para milhares ou milhões de pessoas cujas vidas cotidianas dão pouco espaço à política militante; pessoas mais interessadas, quando abrem uma revista ou ligam a televisão, em ocupar seu tempo livre com entretenimento que amenize as durezas do dia a dia ou, no máximo, com notícias que tenham forte relação com o seu cotidiano. Notícias sobre polícia, por exemplo, ou sobre saúde.
Wainer obedeceu a todos os cânones da assim chamada indústria cultural. Por isto Última Hora fez um enorme sucesso e forneceu a Vargas uma forte sustentação contra a oposição mediática. Só não pôde defendê-lo de seus próprios amigos aloprados, nas enxovias do Catete… Mesmo assim, seguiria cumprindo, nos governos JK e Jango, papel fundamental numa disputa política que, democraticamente cada vez mais favorável ao povo trabalhador, acabaria resolvida, como sabemos, por meio de um golpe civil-militar fascistóide.
Paradoxalmente, Wainer jamais logrou viabilizar economicamente o jornal. Ele acreditava que, com alta circulação, conseguiria naturalmente atrair as verbas do mercado publicitário. Mas anunciantes e suas agências não simpatizam com imprensa que não sirva também ao padrão político, que não obedeça ao que acadêmicos estadunidenses denominam agenda setting: o agendamento noticioso, a definição do que e como o público deve ser informado. Wainer chegou-se a imaginar um futuro tycoon do jornalismo, mas sua empresa nunca conseguiu conquistar real independência financeira.
Àquela época, a imprensa escrita, em especial a do Rio de Janeiro, era a mais poderosa e influente do País. Hoje, sabemos, apesar da força ainda ostentada por Veja ou Folha de S. Paulo, a televisão, na qual domina a Rede Globo, é o meio mais poderoso, tanto na oferta de entretenimento, quando no agendamento informativo. A Última Hora de hoje precisaria ser televisiva ou, a esta altura, talvez, um poderoso portal noticioso de internet, assim como Terra ou Yahoo!. Os jovens, sobretudo, se informam pelo smartphone. Mas a receita não seria diferente: muito dinheiro, associando capitais privados e públicos, que atraísse profissionais do entretenimento e espetáculo capazes de chamar audiência para, numa programação ao gosto popular, embrulhar um jornalismo e orientação editorial que defendesse o projeto petista e enfrentasse o golpismo mediático.
Talvez este fosse até um caminho mais eficiente e sustentável do que insistir nesses recorrentes descaminhos obscuros pelos quais se busca saciar uma insaciável “base aliada”. Já é mais do que hora de o governo Dilma, ora se reiniciando, seguindo o exemplo de Getulio Vargas, encarar com absoluto profissionalismo a frente de guerra da comunicação.