L. Boff: a opção básica do Papa são os pobres (ao vivo a visita de Francisco ao Equador)

Papa Francisco visita os países mais pobres da América Latina (Equador, Bolívia e Paraguai)

No final da página link para ver ao vivo a visita do Papa ao Equador nesta segunda-feira.

 

PHA
Conversa Afiada

O Papa faz a crítica do Ecologismo antropocêntrico (o da Bláblárina…)

Leonardo Boff é autor de mais de 60 livros e professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele foi perseguido pela Sagrada Congregação para a Defesa da Fé e do Santo Ofício, do Vaticano, a antiga Inquisição, durante o papado de João Paulo II, pelo então Cardeal Ratzinger. Depois disso, em 1992, ele abandonou a batina. Nós vamos conversar sobre a viagem do Papa Francisco I ao Equador, Bolívia e Paraguai, que começou ontem (05).

PHA- Professor Boff, o que significa esse roteiro – Equador, Bolívia e Paraguai?
Leonardo Boff – Esse roteiro significa a concretização da opção básica que o Papa tem pelos pobres. Ele escolheu exatamente os três países mais pobres da América Latina, que são também mais ocupados e habitados por indígenas. Uma causa que ele sempre defendeu, seja como Cardeal, e agora como Papa. Então, é dar privilégio a esses que não contam historicamente, e ele quer apoia-los.

PHA – Professor Boff, outra questão que eu gostaria que o senhor tocasse antes de analisarmos, por exemplo, a Encíclica Laudate Si’. Gostaria que o senhor explicasse ao leitor do Conversa Afiada, o que significou, nessa linha de raciocínio que o senhor começa a expor, a beatificação do arcebispo Oscar Romero, de El Salvador?
Boff – Primeiro, é reconhecer que há mártires que não só morrem pela Doutrina da Igreja, a Doutrina da fé. Mas que há mártires que morrem dando a vida pelos outros, pelo amor. Isso inova a tradição da Igreja. E também vem honrar a linha da Igreja da América Latina comprometida com os Direitos Humanos, a partir dos pobres, em oposição aos poderosos e especialmente de quem quer a volta dos militares.

PHA – Sobre a Encíclica Laudate Si’. O conceito central da Encíclica é o conceito que o senhor já expôs antes da Encíclica, o conceito de “ecologia integral”. O que isso significa ?
Boff – A ecologia integral significa que devemos superar aquela concepção comum que está na mídia, nos documentos oficiais da ONU e dos Governos, da ecologia ambiental. O Papa diz que ecologia ambiental é antropocêntrica. Isto é, só pensa as coisas e a natureza em função do ser humano, e não o reverso, o ser humano ocupando e cuidando da natureza. Então, ele quer uma coisa integral, que pega o meio ambiente, que pega a dimensão social da ecologia, a ecologia mental – o que está na cabeça das pessoas, os preconceitos e os sonhos – e a ecologia integral engloba tudo isso, e vem o bendito do subtítulo da Encíclica: o cuidado da Casa Comum. Ele não fala em planeta comum, uma coisa geográfica, ele fala da Casa Comum, que é algo afetivo. É algo que a gente deve cuidar, amar e incluir todo mundo, inclusive natureza.

PHA – Por que essa Encíclica se chama Laudate Si’?
Boff – Ele escolheu como patrono São Francisco. E São Francisco escreveu um hino chamado hino “Irmão Sol,” que começa assim: “Louvado sejas, meu Senhor”: “Laudate Si’, mi Signore”. E ele transcreve todo o hino, que é um hino totalmente ecológico. Ele chama o Sol como irmão, a Terra como a  mãe, todos os seres são irmãos e irmãs. Então, o Papa dá a chave para se ter uma visão ecológica que não seja meramente mecanicista, que fale de gestão de recursos. Mas, fala dos bens e serviços da Natureza, as bondades da Natureza, como falam os indígenas, e a nossa responsabilidade de preserva-las para que elas possam atender de forma decente e suficiente a todos os seres humanos e também a toda a comunidade de vida, isto é, aqueles que habitam essa casa comum.

PHA – Voltando e fazendo uma ligação com a viagem dele para a América do Sul: nessa Encíclica ele diz claramente que o homem rico é quem mais polui, e a maior vítima é o pobre. Essa é uma pregação que se pode esperar dele na América do Sul também?
Boff – Eu creio que ele vai incentivar os valores nativos que estão nesses países andinos, que é a categoria do “bem viver”. Não é o nosso viver bem, que para viver bem muitos têm que viver mal. O bem viver é o equilíbrio entre todos, de tal maneira que todos tenham o suficiente. Porque a Mãe Terra dá tudo o que nós precisamos. E, quando falta, nós trabalhamos. Esse é o grande ideal, do equilíbrio com todas as pessoas, com a natureza, com as energias da própria Natureza, com o Universo, com Deus mesmo. É um grande processo civilizatório. Ele recobre 70 milhões de pessoas, que são indígenas, mas tem uma mensagem também para a humanidade. É uma forma de consumir comunitária, simples, e da sobriedade compartida, que é o grande ideal que o Papa prega.

 

A Inquisição de João Paulo II e Ratzinger perseguiu Boff

PHA – Posso admitir que essa Encíclica Laudate Si’ restabelece um vínculo com ‘Pacem in Terris’ e a ‘Rerum Novarum’ e, de certa forma, recupera os pontos da Teologia da Libertação?
Boff – O Papa mesmo disse que ele prolonga o magistério social da Igreja. Agora, ele inaugura algo novo, que não havia em nenhum outro documento dos papas. Primeiro, ele não se dirige à Igreja e aos cristãos. Se dirige à humanidade, porque as ameaças que pesam sobre a humanidade são muito grandes. Inclusive podem fazer desaparecer a espécie humana. Segundo, ele argumenta fundamentalmente com as conferências nacionais: Paraguai, Brasil, EUA e Patagônia. Ele privilegia o lado colegial, isto é, o Papa não fala sozinho. Fala ele com os Bispos, cita teólogos.

Eu posso dizer com certa modéstia,  –  não quero enfatizar isso – ele pediu muitas materiais. Eu enviei e chegaram a ele. E neles eu pedi explicitamente que colocasse o centro como cuidado, e ficou como título, de fato: cuidar da casa comum.

PHA – Como o senhor explica que ele cite tanto – e com tanta frequência – nessa Encíclica um Bispo da Igreja Ortodoxa ? O que significa isso?
Boff – Ele fez um discurso com as fontes mais ocidentais. O ideal dele era incluir também o Oriente. E esse patriarca Bartolomeu é famoso no mundo inteiro como patriarca ecológico, especialista em Amazônia – até nos convidou para ver um Congresso dentro da Amazônia, com cientistas, para preservar essa riqueza que o Papa explicitamente procura defender contra aquelas multinacionais que querem se aproveitar da Amazônia, não para salvar a vida, mas para enriquecimento. Então, esse patriarca de Istambul é famoso como um patriarca ecológico, e o nome dele é Bartolomeu.

PHA – Professor, o senhor se sente agora revisitado pelo Papa Francisco, depois de tudo o que o senhor sofreu na Sagrada Congregação para Defesa da Fé e do Santo Ofício? O senhor considera que a sua obra tenha sido revisitada, revista pelo Vaticano?
Boff – Eu acho que o Papa, lógico, vem do caldo cultural eclesial da América Latina. As ressonâncias que aparecem no texto são do pensamento nosso, mais avançado da América Latina. Eu não tenho nenhum ódio, nenhum ressentimento daquilo que ocorreu com o Cardeal Ratzinger, depois Papa Bento XVI, porque eu sigo o lema de Shakespeare, que diz: o ódio não faz bem a ninguém. Odiar é tomar veneno esperando que o outro morra. Eu sigo esse lema sábio e não guardo ressentimento, procuro entendê-los, e me sinto profundamente realizado. Sinto ressonância dentro da Encíclica de tudo aquilo que vários teólogos pensam da Ecologia, e eu, desde os anos 80, trabalho intensivamente sobre isso.

PHA – Professor Leonardo Boff, muito obrigado. Foi um grande prazer ouvi-lo.
Boff – Muito obrigado. E continue nessa luta, porque você tem aqui um grande apoiador.

Ouça o áudio da entrevista aqui embaixo


Assista aqui
 a visita ao Equador do Papa Francisco – ao vivo pelo livestream

 

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