ATT, Acre: ‘O mundo antes do Coronavírus não existe mais’

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o mundo entrevista coronavírus #

A mais explicativa e interessante entrevista de um biólogo brasileiro (Atila Iamarino) à BBC-Brasil sobre os efeitos do coronavírus.

Tire um tempo e leia…

Governador, deputados, empresários, população em geral…leiam!

E mudem de atitude!

Interromper agora as medidas de isolamento contra o novo coronavírus é querer voltar a uma realidade que não existe mais, alerta é do biólogo e divulgador científico Atila Iamarino.

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Atila conversou com a BBC News Brasil por telefone, na última quarta-feira (25/02). Confira a seguir alguns dos principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil – À luz do que já se sabe sobre a pandemia, o que você acha das últimas intervenções presidente da República, Jair Bolsonaro, dizendo que o país precisa “voltar à normalidade”?

Atila Iamarino – Eu acho que não importa (o discurso do presidente). Felizmente, isso vai contra o que todos os países estão fazendo. Quase que sem exceção. Todos os países sobre os quais estou informado estão tomando medidas na direção contrária, de fechar em diferentes graus, e até de deixar a população em casa, como a Índia acabou de fazer com mais de 1 bilhão de pessoas.

Então, em relação às políticas internacionais, não faz sentido (o discurso de Bolsonaro).

E, aqui dentro do país, não nos importa, porque os Estados e as cidades estão tomando medidas para fechar em diferentes graus. Todos os Estados adotaram medidas para restringir o comércio não essencial, e restringir a circulação das pessoas. Estão de acordo com a orientação internacional.

Portanto, em última análise, tanto faz o que o presidente falar, desde que as cidades e os Estados continuem agindo como estão agindo.

A esta altura, dado o pouco tempo que a gente tem, a gente precisa focar, na verdade, em atitudes. O país, os Estados e as cidades estão tomando atitudes que vão proteger as pessoas? Estão. Então, tá ótimo, tanto faz o que estão falando.

A gente tem três, quatro meses para agir, dado qualquer estudo sobre como é o espalhamento desse vírus.

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BBC News Brasil – A exemplo do presidente da República, outras pessoas se mostram preocupadas com o efeito econômico do isolamento. Nesta semana você disse ao podcast Xadrez Verbal que essa perspectiva é um tanto “inocente”. Por quê?

Iamarino – Existe uma preocupação séria com a economia, claro. E uma preocupação legítima seria a de como adequar a economia a essa nova realidade (imposta pelo vírus). O que a gente pode fazer para que os comércios consigam vender online e fazer entregas da melhor maneira possível; o que a gente pode fazer para que as pessoas consigam trabalhar à distância da melhor maneira possível.

Que medidas econômicas a gente pode tomar para que as pessoas continuem em casa e continuem com uma vida produtiva, e tenham condições de se manter, porque nem todo mundo pode continuar trabalhando de casa.

Existe um problema econômico, muitos países estão cientes e tomando medidas sérias para saná-lo.

Isso é diferente de ter uma preocupação econômica de não deixar a situação mudar. Isso pra mim é muito mais um luto do que uma preocupação séria. E não acho que seja uma decisão deliberada das pessoas fazer isso.

Mas quem ainda está pensando em não deixar a economia atual desandar, na verdade, está tentando resgatar um mundo que não existe mais. Que é o mundo de janeiro de 2020.

O mundo mudou, e aquele mundo (de antes do coronavírus) não existe mais. A nossa vida vai mudar muito daqui para a frente, e alguém que tenta manter o status quo de 2019 é alguém que ainda não aceitou essa nova realidade.

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BBC News Brasil – Mas o que será diferente? Por que você diz que o mundo do fim de 2019 “acabou”?

Iamarino – Bem ou mal, involuntariamente, o mundo inteiro está passando por um experimento agora. A gente está vendo como diferentes regimes políticos, sistemas de organização social e diferentes medidas funcionam contra o coronavírus e grandes problemas de saúde pública.

A gente está vendo países que jamais cogitariam isso em outras situações, como os Estados Unidos, aceitando que é necessário dar um suporte financeiro grande para seus cidadãos e distribuindo dinheiro. Empresas descobrindo o quanto as pessoas produzem ou não trabalhando de home office. Escolas descobrindo o quanto os alunos aprendem ou não por conta própria, em casa, e qual o valor ou não de usar o ensino à distância.

A gente está descobrindo o que são os serviços essenciais, e estamos voltando a entender o valor de ciência, da mídia (profissional) e dos serviços de saúde. E de sistemas que são fundamentais desde sempre, mas que, em períodos de bonança, são fáceis de negligenciar.

O sistema de saúde de vários países vai ter que ser reavaliado. Garanto para você que o sistema de saúde norte-americano vai ter um estresse maior que o do resto do mundo, inclusive pelo modelo (sem saúde publica universal) de tratamento que eles seguem.

A gente vai descobrir quais são as vulnerabilidades que o regime de trabalho moderno, com terceirização, com trabalho por aplicativo, cria num momento desses. A gente vai descobrir mais cedo também a importância de se usar sistemas de venda online, de pagamentos sem contato e outras coisas.

Mudanças que o mundo levaria décadas para passar, que a gente levaria muito tempo para implementar voluntariamente, a gente está tendo que implementar no susto, em questão de meses.

Então, independentemente da progressão da pandemia e das mortes que podem acontecer ou não, só as mudanças para se adaptar a ela já estão adiantando ou atrapalhando alguns passos que a humanidade daria nas próximas duas décadas.

E ainda tem — e isto está em aberto e a resolver — qual vai ser o trauma das pessoas. O que é que este período de confinamento fará conosco, se a relação entre os familiares aumenta ou diminui. Como as pessoas vão suportar esse período de isolamento, que valor que a gente vai dar para uma reunião, um almoço, uma festa, algo assim.

Tudo isso vai ser muito diferente quando a gente sair do surto.

BBC News Brasil – O que aconteceria com a economia se nada fosse feito?

Iamarino – Vamos supor que a gente seguisse a recomendação de alguns e, no máximo, isolasse os idosos ou fizesse algo assim.

Numa realidade dessa, se você é dono de uma empresa e os seus funcionários pegam a covid-19, em menos de um mês a empresa inteira estaria contaminada, pelo menos 10 a 20% dos seus funcionários precisariam ser hospitalizados.

Os outros 80% vão ter graus diferentes de complicação, e alguns vão precisar trabalhar de casa, ou parar de trabalhar por causa de febre, dor de cabeça, dor no corpo.

Então, mesmo se a gente não fizer nada, se a covid-19 chega numa empresa, parte dos funcionários some. Parte não vai ter condições de trabalhar, e a parte que ficar trabalhando não vai ter nem a moral, nem o estado de saúde para render o que rendia. Mesmo que a gente não fizesse nada, a economia já ia sofrer e muito com a queda de produtividade.

Então, é uma realidade que nos foi imposta, na verdade. Quem está tentando manter a economia de 2019 está se recusando a aceitar essa realidade. Na verdade a gente já deveria estar virando a chave e tentando entender como sair do outro lado.

Dando um exemplo meu: tem um restaurante aqui perto de casa que frequento regularmente. Não cheguei para eles e falei “Olha, quando o covid-19 vier, não feche”. Porque eu sei que não existe essa possibilidade. Eu falei para eles: “Avise seus clientes que você faz entrega. Já vai testando os diferentes aplicativos de entrega para ver quem cobra a melhor taxa. Já prepara as pessoas que trabalham na cozinha para revezar turnos, e se prepara financeiramente, por que vai ser um impacto grande”. Tenho que aceitar que isso aconteceu e mudou.

(…)

Entrevista na BBC-Brasil completa aqui

 

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