Crônica de Dandão: Meus professores de geografia

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Milhões de brasileiros acreditam que a Terra é plana (aumentou muito nestes tempos de Bolsonaro e seu negacionismo)

Francisco Dandão

Por esses dias eu estava lembrando de dois professores de geografia dos meus tempos de ginasiano, aí pela segunda metade da década de 1960, no Colégio dos Padres, à época situado na Avenida Epaminondas Jácome, em Rio Banco, capital do Acre. O primeiro deles foi o professor Alberto Oliveira. Depois, pela altura da quarta série, o mestre se chamava Jacó.

O professor Alberto, especialista em história do Brasil, entre tantas belas explanações, fazia as nossas imaginações adolescentes viajarem pelos confins do país, dissertando sobre lugares tão distantes (e inacessíveis para nós naquele momento) quanto o Oiapoque, na fronteira do Amapá com a Guiana Francesa, e o Arroio Chuí, na fronteira entre o Brasil e o Uruguai.

Mas os pequenos olhos do professor Alberto brilhavam e o bigodinho fino dele tremia mesmo era quando ele falava nos ecossistemas do país de dimensões continentais, defendendo a necessidade de preservá-los a qualquer custo. Uma defesa que se exacerbava quando ele se referia à Amazônia e ao Pantanal. Santuários da humanidade, segundo ele afirmava.

E veja-se que todas essas ideias nos eram passadas por aquele senhor elegante, que usava, invariavelmente, cabelos bem penteados para trás, sapatos lustrosos de graxa e camisa passada por dentro da calça, num tempo bem anterior à onda verde preservacionista que tomou conta do planeta na década de 1980, principalmente depois da morte do líder Chico Mendes.

Quanto ao professor Jacó, cujo sobrenome eu nunca soube, um funcionário dos Correios que dava umas escapadinhas da sua ocupação principal no meio da tarde para ir às salas de aula, o que eu mais lembro dele são as longas palestras sobre filósofos antigos que se dedicaram a refletir acerca da vida para criar as linhas primordiais do pensamento ocidental.

Já de idade um tanto avançada, com as pálpebras caídas em cima dos olhos, o professor Jacó se apresentava aos alunos sempre de terno e gravata. O calor infernal do verão amazônico não o incomodava. Ele empapava de suor a camisa branca sob o paletó, mas jamais esboçou um gesto sequer de desconforto. Ao contrário: parecia estar sempre numa sala da Sorbonne.

As aulas do professor Jacó primavam pela erudição e pela capacidade dele de fazer gracejos com os grandes erros dos antigos pensadores. Eu lembro como se tudo tivesse acontecido ontem, por exemplo, o dia em que ele fez a turma toda rir ao dizer que até o século VI a.C. a galera achava que a Terra era plana. Ele gargalhava tanto que chegava quase a se engasgar.

Eu recordo com saudade esses dois mestres e fico imaginando a reação deles nos dias de hoje se vissem o Pantanal e a Amazônia pegando fogo, por conta do descaso a da incompetência das “autoridades” públicas do Brasil. No que diz respeito à disseminação da crença de que a Terra voltou a ser “plana”, eu acho que o professor Jacó dessa vez se engasgaria mesmo. Kkk.

Francisco Dandão – professor, escritor e jornalista

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