Histórias reais: Raízes e Tronqueiras

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Chagas Batista – Raízes e Tronqueiras são lembranças da minha existência caminhando pelo vale do Rio das Tronqueiras, o Rio TARAUACÁ. As raízes sintetizam minhas convicções e origem. As Tronqueiras são as árvores que tombaram e deixaram seus troncos dentro do Rio, criando dificuldades para o curso normal das águas e dos Navegantes. Simboliza, também, reação, perigo e turbulência. É um relato e histórias de minhas lembranças caminhando neste pedaço do chão.

Cheguei ao mundo no dia 11 de novembro de 1961, as 5h na colocação Santa Maria, Seringal Tamandaré, no Rio das Tronqueiras, (alto rio Tarauacá). Minha mãe estava muito apreensiva com a possibilidade de não conseguir me parir com vida. Ela já havia dado à luz 6 filhos. (Nonata, Edvan, João, Ivanilde, Ivanete e Fátima). Na seqüência havia perdido outros 2 que nasceram sem vida. Não existiam médicos ou quaisquer presenças de atendimento público, tudo dependia do barracão, da fé e da sabedoria de uma humilde parteira, com uma bacia d’água e uma velha tesoura na mão. Eu podia ser mais um a não conhecer o mundo.

Meu pai tomou todo cuidado que um seringueiro honrado podia tomar para a mulher “descansar” (dar à luz o filho) sem risco. Repouso, Muita galinha engordando no galinheiro, uma lata de manteiga e uma de Nescau comprada no regatão. Pirão escaldado a tempo e a hora para a gestante. Minha mãe já estava batendo a porta dos 40 anos e queria mais um filho Homem para a família.

(…)No seringal, ao ouvir três tiros seqüenciados, os vizinhos sabiam que o nascido era Homem. Se fosse mulher eram apenas dois disparos(…)

O esforço foi compensado com meu grito ao amanhecer do dia. Meu pai disparou três tiros de espingarda “calibre 12”, para anunciar a vizinhança do meu nascimento. Nascer naquela região era um ato de bravura e vontade de conhecer a vida. No seringal, ao ouvir três tiros seqüenciados, os vizinhos sabiam que o nascido era Homem. Se fosse mulher eram apenas dois disparos.

Minha existência tem origem na saga dos nordestinos que vieram para Amazônia, motivados pela propaganda oficial que vendia facilidades para ganhar dinheiro fácil no corte da seringa. Minha mãe, Maria Batista, meu pai Manoel Avelino, dois filhos de Cearenses. Meu pai e minha mãe desafiavam o trabalho. Tinham crédito no barracão e no regatão. Meu pai cortava seringa, caçava, pescava, plantava macaxeira, milho, arroz, feijão melancia, banana, abacaxi, cana, jerimum e muito tabaco. Criava galinha, ovelha pato, porco gado e ainda fazia canoa para vender

Santa Maria era um lugar admirável. Quem chegava pela primeira vez, achava que era a sede do seringal. Um campo no alto de uma planície, gado e uma variedade de animais. Uma fileira de borracha no terreiro e uma casa de madeira serrada artesanalmente, situada na curva do Rio. O campo oferecia uma linda paisagem. Grama nativa; no aceiro, um cumaru; atrás da casa um pau Darco, uma touceira de abacaba, alguns pés de cocão, e, ao lado, várias touceiras de manacá roxo sempre floridas.

Foi nesse cenário de cores que comecei enxergar o mundo, e iniciar meus primeiros passos no vale do Rio das tronqueiras, Rio TARAUACÁ, compromisso com minhas origens, a necessidade e a vontade de mudar as coisas, que se mantém firme até os dias atuais.

Raízes e Tronqueiras, a partir desta data, será publicado todas as sextas aqui em oestadoacre.

Chagas Batista, Tarauacá


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