No GGN do Nassif que oestadoacre reproduz nesta sexta…O mesmo, em escala menor, acontece no Acre…
Como o dinheiro sai do SUS para os cofres da Globo, por Luís Nassif
Vamos tentar decifrar a (ir)racionalidade da política de metas de inflação.
Peça 1 – os estímulos ao investimento
Seu funcionamento é simples, tão simples que cabe em uma planilha, porque o modelo não tem povo, indústria, agricultura, comércio, políticas sociais, políticas de segurança, funcionamento do Estado. Tem apenas os seguintes ingredientes.
No mundo real, o capital produtivo precisa de três fatores de estímulo: crédito, demanda e estabilidade econômica. Por estabilidade entenda-se preços e câmbio estáveis.
Peça 2 – o modelo de metas inflacionárias
Nesse modelo só existem duas variáveis: inflação e taxa de juros. Qualquer soluço da inflação provoca um aumento da taxa básica de juros.
Há muitos tipos de inflação:
De demanda – quando a economia está muito aquecida e as empresas passam a aumentar os preços.
De oferta – quando ocorre alguma quebra de safras, interrupção da oferta de algum produto, como ocorreu com a guerra da Ucrânia.
Choques cambiais – até o Brasil acumular 350 bilhões de dólares em reservas, era o maior fator impulsionador da inflação.
Em tese, aumento de juros visa encarecer o financiamento, o crédito, reduzindo a demanda. Com menos demanda, os preços se acomodariam em patamares mais baixos.
Peça 3 – a redução da oferta
Esse tipo de inflação – de demanda – ocorre raramente. E o impacto da taxa Selic sobre o custo do crédito e do financiamento é mínimo: um ponto de aumento na Selic pode representar um aumento de R$ 42,6 bilhões ao ano na dívida pública. Mas mal arranha o valor da prestação de um financiamento, que está em 7,63% ao mês – ou 142% ao ano.
Suponha uma compra de R$ 1.000,00 em 12 prestações a uma taxa de 7,63% ao mês. O valor da prestação será de R$ 120,94. Um aumento de 1% na taxa anual significa 0,083% na taxa mensal. O valor da prestação subiria para R$ 121,37. Portanto, sem nenhum impacto na tomada de financiamento.
Os três efeitos do aumento da Selic são:
- Atrair dólares para o país, para aplicações em títulos públicos, promovendo apreciação do real e, consequentemente, encarecendo os produtos brasileiros vis-a-vis os estrangeiros.
- Aumentar o custo do crédito para as empresas, desviando recursos que iriam para investimento.
- Encarecer o investimento de longo prazo. Um investimento de R$ 100 milhões, com uma taxa de 12% ao ano, em 60 meses, sairá por R$ 17.790,642 para a empresa. Se a taxa anual aumenta em 1 ponto, sai por R$ 18.612.959.
Portanto, os efeitos do aumento da Selic são fundamentalmente impedir o investimento produtivo e a volta do crescimento.
Peça 4 – Selic e orçamento
Tem mais. O termômetro para a questão fiscal é a relação dívida bruta / PIB.
A dívida bruta é formada pelo resultado primário (receitas menos despesas do governo a cada ano) e pela taxa de juros da dívida pública.
Ao aumentar a Selic, o Banco Central automaticamente aumenta o custo da dívida pública e o volume da dívida bruta. Para compensar essa alta, o governo é obrigado a cortar seus gastos. Cortando seus gastos, há uma diminuição no ritmo de crescimento do PIB e da receita fiscal, obrigando a mais corte de gastos.
O aumento da Selic, portanto, aumenta a dívida pública nos seus fatores: aumentando a carga de juros e diminuindo a receita fiscal, devido à queda do PIB.
Mais que isso: todos os cortes orçamentários, para educação, saúde, investimento, tecnologia, políticas sociais, saem do orçamento direto para o bolso dos rentistas. Do mesmo modo, uma parcela cada vez maior da receita das empresas sai dos investimentos para pagamento de juros. O capital produtivo ajuda a turbinar o capital improdutivo.
Esquematicamente:
- O BC aumenta a Selic.
- Imediatamente aumenta o volume de dinheiro que vai para o bolso do rentista.
- Aumentando os juros, atrai mais dólares, apreciando o câmbio e tornando os produtos brasileiros menos competitivo.
- Aumentando os juros, aumenta a relação dívida bruta/PIB (já que a dívida bruta é resultante dos resultados primários de gastos do governo mais os juros da dívida pública).
- Para compensar a alta da dívida bruta, o governo corta despesas e investimentos públicos, e as empresas produtivas desviam recursos dos investimentos para pagar pelo aumento de juros.
- Como consequência, há uma redução no ritmo de crescimento do PIB e, consequentemente, na receita fiscal.
Com isso, mata os três fatores que estimulam o investimento produtivo:
- Mercado de consumo
- Crédito acessível
- Câmbio estável
Se o governo ousa aumentar os investimentos, para impedir a queda do PIB, o terrorismo do mercado diz que crescimento provoca inflação, e propõe novas altas nos juros. É por isso que as chamadas políticas de austeridade praticamente mataram o dinamismo das economias nacionais.
Como consequência, a economia fica estagnada. Sem crescimento, diminui o investimento produtivo externo e interno. Cria-se uma economia rentista, na qual as empresas sobrevivem aplicando em títulos públicos, aumentando o desemprego. É o cachorro comendo o próprio rabo.
Tome-se um caso expressivo. As Organizações Globo tem um caixa de R$ 14,2 bilhões. Em 2023, registrou receita líquida de R$ 15,16 bilhões, mas seu EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) foi de apenas R$ 122 milhões. O resultado operacional foi um prejuizo de R$ 597 milhões. Portanto seu resultado financeiro (para compensar o prejuízo e dar lucro) foi de R$ 719 milhões. A cada ponto percentual da Selic, a Globo ganha mais R$ 150 milhões.
De onde saiu esse dinheiro? Das taxas pagas pelo BC, compensadas pelos cortes nas despesas e nos investimentos públicos, no desmonte da máquina pública, das políticas sociais e dos investimentos privados.
Dá para entender a razão da paixão dos comentaristas da Globo pela política de metas inflacionárias?
Caixa da Globo | R$ 14.200.000.000 |
Resultado operacional | – R$ 597.000.000 |
EBITDA | R$ 120.000.000 |
Lucro financeiro | R$ 719.000.000 |