No final de 2009 produtores americanos e ONGs publicaram o estudo intitulado Farms Here, Forests There: Tropical Deforestation and U.S. Competitiveness in Agriculture and Timber, que causou muitas críticas aqui no Brasil. Existem duas leituras principais para o estudo: 1) o desmatamento no Brasil favorece a expansão da agricultura e das florestas plantadas e dá competitividade aos produtos brasileiros, o que prejudica os produtores americanos; 2) a criação de um mercado de carbono que aceite créditos florestais – e por isso mantenha as florestas em pé – pode beneficiar os produtores americanos.
Enquanto a discussão sobre os estoques de carbono nas florestas, um possível mercado de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd plus) e o papel da agricultura de baixo carbono cresce no mundo, o estudo tem um viés de preocupação evidente com o potencial do agro brasileiro.
Estudo – Na enxurrada de argumentos e críticas que condenam a alteração do Código Florestal, entendo que é importante retomar o estudo Fazendas Aqui, Florestas Lá, para mostrar que, se a reforma do código for efetivamente feita com equilíbrio, não só os produtores brasileiros terão muito a ganhar, mas também o meio ambiente.
O título do estudo que vale para o Brasil é Fazendas aqui, Florestas aqui também! E isso sem prejudicar a conservação ambiental; a expansão sustentável do agro brasileiro; a produção de alimentos; de energia; a garantia da segurança alimentar, ponto central do Programa Brasil Sem Miséria; o incremento da agricultura familiar e a exportação de alimentos e de energia.
Quadro – Partindo-se do princípio de que o novo Código Florestal deverá resolver definitivamente as falhas legais da lei florestal e de que a regularização ambiental irá exigir ações dos produtores no sentido de comprovarem o cumprimento das novas regras, é possível antever que, em 2020, a fotografia do uso da terra no Brasil será outra.
Os argumentos que dão força para essa tese são os seguintes: 1) o novo Código Florestal não abre espaço para novos desmatamentos comparado com o código atual e vai gerar uma maciça regularização ambiental nas fazendas brasileiras; 2) a compensação da Reserva Legal em áreas fora da propriedade, porém dentro do mesmo bioma, faz sentido não só porque evitará plantar florestas em áreas aptas para a agricultura, mas porque protegerá vegetação nativa que poderia ser legalmente desmatada; 3) a recuperação de pastagens e áreas degradadas, prevista como ação de mitigação no Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC), permitirá que áreas de baixíssima produtividade ou que estão abandonadas se tornem produtivas; 4) a intensificação da pecuária ocorrerá sem a necessidade de aumentar as áreas de pastagens, mas sim, irá liberar áreas para outras culturas.
Esses são os pilares da expansão do agro brasileiro nos próximos dez anos no tocante ao uso da terra e refletem o modelo de fazendas com florestas, adotado no Brasil desde a adoção do primeiro Código Florestal, em 1934.
Incentivos – O que a reforma do código precisa contemplar são incentivos concretos para que os produtores mantenham ou recuperem as florestas. Não se pode contestar que as florestas geram benefícios para toda a sociedade e, justamente, por isso, todos devem ajudar a protegê-las, como previsto na Constituição Federal.
Nesse sentido é válido retomar a comparação entre os produtores brasileiros e norte-americanos. Enquanto aqui a obrigação e o ônus de manter as florestas recai exclusivamente sobre o dono da terra, os produtores norte-americanos que aceitam plantar florestas ou conservar áreas existentes em suas propriedades (normalmente áreas de baixa produtividade, mas também áreas ao longo de cursos d´água) recebem um pagamento anual do governo, que pode chegar à média de R$ 204/ha/ano. Durante 10 a 15 anos a vegetação nativa deve ser conservada, sob pena de o produtor pagar multas pesadas. Depois desse prazo o produtor escolhe se quer convertê-las e voltar a produzir.
Conservação – O mais intrigante é que o Conservation Reserve Program (CRP) foi criado em 1985 não para proteger florestas, mas como forma de controlar a erosão dos solos. Hoje, o CRP começa a ser utilizado como ferramenta de conservação florestal, proteção da biodiversidade e da água, qualidade do ar e redução de emissões, mas sempre com incentivos para o produtor, que pode utilizar a área para turismo rural, pesca e até mesmo caça.
Para que os recursos presentes nas florestas existentes nas fazendas brasileiras sejam reconhecidos e valorizados é preciso que o novo código contemple incentivos concretos para a recuperação e a conservação das florestas. Os estoques de carbono, os recursos da biodiversidade, a proteção da água e do solo somente serão tratados como ativos quando efetivamente tiverem valor.
Considerando que o novo código deverá coibir o desmatamento ilegal, que a compensação da Reserva Legal evitará a recomposição de áreas produtivas que foram convertidas há muito tempo, e que protegerá áreas que poderiam ser legalmente desmatadas, enfatizando a proteção de áreas ricas em biodiversidade, e que os ativos ambientais das fazendas deverão ser valorizados, é mais do que seguro falar alto e em bom tom que no Brasil o discurso é Fazendas aqui, Florestas aqui também!
Talvez o Brasil seja o único país do mundo que tem capacidade para adotar esse modelo que integra produção e conservação. Em tempos de Rio+20, o desafio é gerar adequação ao novo Código Florestal tão logo ele seja aprovado, e saber utilizar esses recursos de forma sustentável, lutar pelo pagamento dos serviços ambientais, e estampar nos rótulos dos produtos brasileiros marcas como: baixo carbono; biodiversidade protegida; produzido com energias renováveis; uso racional da água; produzido junto com florestas nativas, valores inatos ao agro brasileiro.
* Rodrigo C. A. Lima, advogado, gerente-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), é pesquisador da RedeAgro.