Histórias Reais: Minhas raízes e o fim do mundo

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Por Chagas Batista

Em Santa Maria não existia comunicação com o resto do mundo, até o dia que meu pai, que era seringueiro de crédito, conseguiu comprar um rádio de pilha marca telespak. Foi uma grande revolução e uma confusão; a gente não conseguia entender como aquele “bicho” tipo uma caixa de madeira conseguia falar.

(…)Não faltava uma voz falando em espanhol e atrapalhando(…)

As 5 horas, antes de sair para a estrada, minha mãe ligava o radio e sintonizava as rádios nacional, transmundial , Baré, Rio mar, Tefé e outras. Não faltava uma voz falando em espanhol e atrapalhando a sintonia. O povo na região dizia que eram peruanos que gostavam de se intrometer onde não eram convidados.

Na programação de uma rádio na madrugada sempre era transmitida uma tal profecia de Padre Cícero Romão e Frei Damião em versos de cordel. A mensagem anunciava de forma catastrófica e assombrosa os horrores do fim do mundo. Trechos da profecia:

Fei Damião nos avisa
Que já estamos no fim da era
Precisamos se livrar
Dos laços da besta fera
Pois já está no mundo
Fazendo estrago de vera.
Essa é a lição pregada
Por nosso Frei Damião
Seguindo as lições dos mestres
Que provaram ter razão
Assim o mundo agoniza
Pra estourar num vulcão.
Pois Frei Damião lembrou
O fim do mundo presente
É em 2000, mais ou menos
Pra ateu e para crente
E quem sorrir do aviso
Vai se acabar no quente

(…quando o sol começasse nesscer encarnado no poente, era começo do fim(…)

O locutor repetia a profecia todas as manhãs. Dizia que quando o sol começasse nascer encarnado no poente, era começo do fim, o mundo acabará em fogo. Ouvindo aquilo a gente ficava tremendo de medo, saía para cortar seringa com medo de o mundo acabar e não encontrar mais a família.

(…)não tínhamos dúvidas, o mundo estava se acabando..(….)

Num determinado dia, por volta das 8 da noite, estávamos todos na cozinha, sentado na paxiúba fazendo o pirão para jantar, de repente… Um estrondo “vindo do céu” começa se aproximar. O barulho jamais ouvido na região, vinha chegando do alto por trás de um pé de cumarú. Naquele momento não tínhamos dúvidas, o mundo estava se acabando.

No desespero, meus pais chamaram todos filhos para ajoelhados, dar as mãos, recomendar-se a Deus e se despedir. O estrondo foi chegando e cruzou por cima da casa que estremeceu os barrotes – e foi se distanciando, até desaparecer completamente. O silencio voltou a reinar. Os sapos, os grilos, os ratos coró e as corujas votaram a entoar seus cantos. Ficamos a noite inteira acordados e aflitos sem saber o que realmente havia acontecido.

No dia seguinte não saímos para o trabalho, ficamos à procura de informações no rádio e na vizinhança sobre o estrondo da noite anterior. O rádio continua falando da profecia, mas não mencionou nada do que queríamos entender. Os vizinhos também ficaram muito assustados, não souberam explicar.

(…)Um marreteiro de couro de gato chegou(….)

A situação só foi normalizada uma semana depois. Um marreteiro de couro de gato chegou à nossa casa e desvendou o mistério: O barulho que pensávamos ser o fim do mundo era um avião a jato que cruzou o céu a noite na região . Tudo voltou ao normal e reiniciamos a peleja na floresta de Santa Maria.

Chagas Batista, de Tarauacá

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