Permitido no Brasil desde a decisão do Supremo Tribunal Federal – STF que, em 2011, reconheceu a união entre casais do mesmo sexo como entidade familiar, o casamento homoafetivo tem sido alvo de contestação na Câmara dos Deputados nas últimas semanas. Um projeto de lei em análise na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família quer impedir o reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Trata-se do Projeto de Lei 5.167/2009, de autoria do ex-deputado Capitão Assunção, que tramita na Câmara há quase 15 anos e foi apensado ao PL 580/2007, do também ex-deputado Clodovil Hernandes, que, ao contrário, assegura a união homoafetiva por meio de contrato para fins patrimoniais.
A discussão do PL começou no início de setembro, mas foi interrompida por um pedido de vista após a leitura do parecer do relator, deputado Pastor Eurico (PL-PE).
Em seu relatório, o parlamentar analisou nove projetos sobre o tema que tramitam, em conjunto, na Câmara. O principal, apresentado por Clodovil, foi rejeitado por Eurico, assim como outros sete. Somente a proposta que veta o reconhecimento da união homoafetiva recebeu o aval do relator.
Na prática, a proposta altera o Código Civil para prever que nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode se equiparar ao casamento e à entidade familiar, impedindo a celebração de casamentos e uniões estáveis.
A apreciação da proposta estava marcada para a última terça-feira, 19 de setembro. Após quase cinco horas de debate, os parlamentares firmaram acordo para adiar a votação para o dia 27 de setembro e promover uma audiência pública no dia 26.
Inconstitucionalidade
“Esse projeto é de natureza desastrosa e é flagrante a sua inconstitucionalidade”, avalia a advogada Maria Berenice Dias, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
“Em 2011, o STF interpretou a Constituição da República conforme seus princípios, reconhecendo o direito ao casamento de pessoas do mesmo sexo, um marco registrado como patrimônio documental da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. Desde então, aproximadamente 10% dos casamentos realizados no Brasil têm sido casamentos homoafetivos, um avanço merecedor de ampla celebração”, afirma.
Os casamentos homoafetivos não são regulamentados em lei no Brasil. A base jurídica para a oficialização dessas uniões é a decisão do STF que determinou que o Código Civil deveria ser interpretado para garantir o reconhecimento do relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. A decisão também considerou essas relações como entidades familiares.
Dois anos depois, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou resolução para obrigar a celebração de casamentos homoafetivos em cartórios no Brasil. Desde então, o número de uniões homoafetivas cresceu quase quatro vezes no país, segundo dados da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Brasil – Arpen-Brasil. Os registros saltaram de 3.700 em 2013, para quase 13 mil até 2022.
Diante disso, Maria Berenice Dias acredita que a proposta não conseguirá aprovação, uma vez que o casamento entre pessoas do mesmo sexo, reconhecido como entidade familiar, já é um direito conquistado.
“Levando em conta o princípio da proibição de retrocesso social, que estabelece que nenhuma lei ou decisão pode desafiar os avanços sociais já alcançados, acredito que tal proposta não seguirá adiante, nem na Comissão, muito menos no Plenário. Ainda assim, é surpreendente que uma Comissão da Câmara proponha ignorar uma parcela tão significativa de famílias existentes no Brasil, reconhecidas e apoiadas pelo Estado”, afirma.