Por Antonio Albino Canelas Rubim – Acabo de ler o texto de Rodrigo Tavares, que circulou nas redes sociais, sobre porque os jovens estão votando na extrema-direita. O tema tem vital relevância para o presente e para o futuro. Em um resumo resumido, ele afirma que os jovens estão “zangados”, o que pode ser sensato, pois suas condições sociais, econômicas, ambientais e culturais de vida se tornaram instáveis e precárias na atualidade. O texto descreve, em geral, os jovens europeus. A palavra “zangados” expressa um tom de subjetividade que me parece pertinente por contrapondo aos dados ditos objetivos acionados em seguida. O texto também sugere que a adesão não é ideológica ou mais consistente. Trata-se de algo como uma rebeldia.
Penso que o texto, independente das várias discordâncias e concordâncias existentes com relação ao artigo, é estimulante para um debate mais que necessário diante da barbárie que parece se anunciar. Ele lembra que tais jovens tiveram acesso à educação e à informação. Portanto, aquela velha concepção que identifica, sem mais, educação e informação de modo automático com conscientização e pensamento emancipatório parece colocada sob suspeita, porque se mostra insuficiente e até insatisfatória. Cabe lembrar que o nazismo contaminou a Alemanha, país com índices educacionais e informacionais nada desprezíveis.
Voltando a palavra “zangados”, ela salva a argumentação desenvolvida no texto da busca simplória das “razões objetivas” do comportamento político dos jovens. Elas agora se dão pela mediação da subjetividade emocional inscrita na palavra “zangados”. Saudável fuga do persistente economicismo que imagina, sem imaginação, que existe uma realidade que se torna visível sem mediações de variados tipos, sejam da linguagem e cultura, sejam de outras diferentes ordens ou desordens.
Falta ao texto ser mais incisivo com os certos contextos do desencanto. Condições de vida instáveis e precárias não podem estar dissociadas do modo de vida sob o capitalismo atual, em seu horizonte neoliberal, que precariza a vida humana, o mundo e a relação com a natureza. Talvez uma crítica mais potente e visível pudesse ser, inclusive, antídoto à rebeldia capturada por meio da extrema direita. Mas a publicização de tal crítica, tecida em perspectiva democrática de esquerda, tem forte bloqueio por meio do controle empresarial-capitalista da mídia e do uso dominante das redes sociais pela extrema direita. Em uma contemporaneidade que produz a existência dissociada da presença física e a remete a um processo de conformação simbólica, o poder das chamadas redes de comunicação se transforma em teia gigantesca.
Outro esquecimento do texto: o fracasso da democracia em sua atual configuração dita liberal. Ela deixou de cumprir as mínimas promessas bem-estar. Tais promessas parecem reduzidas aos desejos onipresentes do consumismo, fabricados pela publicidade cotidiana que perpassa todos os poros da sociedade. Promessas de felicidade para todos que tenham recursos suficientes para comprá-las. Frente a elas, as promessas coletivas de uma democracia, que se paralisa na formalidade dos procedimentos, parecem não sedutoras.
O tema é fundamental e exige muitas reflexões em processo, abertas às dúvidas e ao embate democrático de ideias. Gostaria de agregar outra reflexão, talvez intempestiva. Os jovens vivem um momento singular da existência humana, que se caracteriza pelo instante de abertura ao mundo, depois do acalanto do lar, quando os jovens têm a sorte de possuir um. A abertura ao mundo foi, há pouco, intensamente interditada pela pandemia. Creio que seu efeito sobre a abertura ao mundo deve ter sido brutal para a juventude. Não se pretende aqui reduzir as questões múltiplas da abertura ao mundo às restrições da vida pandêmica. Trata-se de um dado a mais, nada desprezível.
Voltando à abertura ao horizonte da juventude. Que mundos, presentes e futuros, se apresentam aos jovens? Talvez hoje uma realidade mais insossa e sem possibilidades que aquelas de outras épocas, sem tal constatação cair prisioneiro de nenhuma nostalgia. Um mundo de baixas alternativas, no qual a “rebeldia” da extrema direita, em xingar o sistema, a democracia, os políticos, os imigrantes e qualquer outro inimigo construído ideologicamente se torna fator de cooptação da rebeldia zangada. A violência da vida e aquela produzida incessantemente pelas mídias, bem como o ritmo acelerado impresso ao mundo, complementam o cenário de capturas de rebeldias no presente.
Como aparecem os futuros? A abertura ao mundo pode ser também povoada de futuros imaginários, possíveis e impossíveis. Aquilo que em outros tempos se chamava de utopias. Basta olhar para as produções audiovisuais de cinema e dos jogos para se ver ao que foram reduzidas as utopias. Quase nenhum sinal de mundo melhor. Em seu lugar, violências, guerras e tragédias em variados invólucros. O bloqueio das utopias e o culto às distopias parece geral. Os futuros não prometem nada, além do agravamento das condições atuais de vida. Barbárie em outras palavras. A imaginação mais coletiva parece impossível. Resta o individualismo ou o recurso às formatações de “rebeldias” presentes, mesmo que na linha de superfície da extrema direita. A ausência de possibilidades de presentes e de futuros não parece ser algo descartável para refletir sobre o tema.
Antonio Albino Canelas Rubim é pesquisador e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA)