Na semana passada, no Acre, participei de seminário sobre o combate à corrupção promovido pelo Ministério Público. Lá, como em todo o país, há grande interesse no julgamento do “mensalão”, frustração com os poucos resultados da CPI do Cachoeira e um irritado desânimo com a persistência da corrupção, enraizada no sistema político.
Depois, fui ao centro de formação da Comissão Pró-Índio encontrar agentes agroflorestais, artesãs e professores dos povos que habitam os altos rios, reunidos num fórum sobre agrobiodiversidade e mudanças climáticas. Impressionou-me o contraste entre este Brasil profundo, da floresta e de seus povos, e o Brasil da superfície, que teima em alargar sobre o primeiro o alcance de suas intermináveis fronteiras.
Nesta semana, ocorreu mais um massacre de índios ianomâmis por garimpeiros brasileiros na Venezuela. Outra tragédia soma-se aos assassinatos constantes de índios, sobretudo dos guaranis-caiovás, que enfrentam um genocídio consentido em Mato Grosso do Sul.
Se o Brasil do poder e do dinheiro fosse apenas indiferente ao destino dos povos indígenas, já seria indício de uma patologia. Mas criar leis que limitam a demarcação de suas terras e ameaçam as já demarcadas, liberar as obras de Belo Monte sem ouvir as comunidades locais e deixar impunes os que matam os índios e invadem suas terras demonstram mais do que insensibilidade, gozo na destruição.
A fronteira extrativista promoveu massacres. Uma segunda expansão, iniciada na ditadura militar, devastou territórios de índios e dos extrativistas remanescentes da fase anterior. Agora, a expansão desenvolvimentista reedita o extermínio. A barbárie disfarçada de progresso junta extrativistas, quilombolas, pequenos agricultores e comunidades pobres na mesma tragédia dos deserdados da civilização.
No Acre, o encontro indígena terminou com uma troca de sementes. Cada um trouxe amostras de legumes e frutas que seu povo cultiva desde tempos imemoriais. Estenderam no chão a riqueza de cores e texturas da soberania alimentar e da autonomia que conseguiram conservar em 500 anos de resistência.
Depois cantaram e dançaram seguindo os passos e a voz de um pajé. Aquele homem de olhinhos miúdos entoando sutis melodias no idioma de seus ancestrais lembrou-me a figura de um pássaro. Perguntei, tentando ser diplomática, se ele se identificava com alguma espécie da floresta. Disse-me que seu nome é o mesmo do japiim, porque, como o pássaro, é capaz de aprender as cantigas de todos os outros.
Até quando vamos continuar eliminando a saudável variedade dos cânticos pelo som monocórdico da mesma e repetida cantiga?