Ex-senadora considera positivo que, pressionado pelas ruas, Congresso retome pautas há anos esquecidas, mas diz que momento pede debate mais profundo. Candidatura à Presidência, afirma, é uma possibilidade. A pouco mais de um ano das eleições, Marina Silva desconversa sobre candidatura – é apenas “uma possibilidade”, afirma. Para ela, o momento político vivido pelo Brasil demanda debate mais profundo, o que, em sua opinião, nem o governo Dilma Rousseff nem o Congresso estão conseguindo alcançar.
Em entrevista por telefone à Deutsche Welle, Marina vê como positivo que a onda de protestos tenha feito com que os Poderes se movimentassem e debatessem temas antes enterrados. Mas diz, no entanto, que a reação está ainda aquém da profundidade do movimento popular.
“Não há uma resposta definitiva. Mas, com certeza, a forma não é de falar para as pessoas. É de criar mecanismos para conversar com as pessoas”, afirma a ex-senadora, que diz que sua Rede Sustentabilidade, partido em formação, busca contribuir com esse diálogo.
DW Brasil: Passadas algumas semanas desde o início das manifestações, qual é a sua avaliação do movimento?
Marina Silva: Ainda vai levar muito tempo para que a gente possa ter uma visão mais precisa dos contornos, alcance e da contribuição desse movimento. Mas já existem uma série de resultados que são importantes. O Congresso tem criado uma dinâmica de tentar aprovar algumas matérias que, eles acham, dialogariam com o movimento, como a PEC 37.
A iniciativa do governo está sendo muito de tentar abafar o movimento, mas só o fato de serem obrigados a discutirem temas que haviam sepultado já mostra a forma desse movimento e a novidade de sua forma de atuação. Ele não tem uma liderança fixa ou uma pauta de reinvidicação, mas tem conseguido, na sua forma difusa, colocar o Congresso e o governo a se movimentarem.
Os Poderes estão reagindo de uma forma sensata?
A reação está muito aquém da grandeza e da profundidade do movimento. O governo esqueceu que um movimento dessa magnitude não pode ser reduzido a uma mera pauta de reivindicação, e tem que ser tratado com uma agenda que dê perspectiva a médio e longo prazo.
As questões colocadas, como melhoria na qualidade da saúde e educação, precisam de um tempo para ter uma resposta efetiva. Se você trata isso como apenas uma emergência, é claro que, em curto prazo, você não tem como dar resposta. Se você organiza todas essas demandas dentro de uma agenda estratégica, os problemas serão resolvidos dentro do pacto federativo.
E qual seria a estratégia a longo prazo?
É preciso também criar uma perspectiva de longo prazo: como é que o Brasil vai entrar no século 21 dialogando com esse novo agente político, que é muito mais atento, tem um poder de acompanhamento das ações do governo e do Congresso muito maior do que tínhamos no passado.
Então, até agora, eles [os Poderes] têm tido uma atitude reativa, não conseguem ser proativos e o maior esforço é de como criar alguma manobra para aplacar as ruas. Ou criar algum mecanismo que desvie a interlocução desse novo sujeito político para os antigos interlocutores.
A manifestação de ontem [quinta-feira] era uma tentativa de dar aos antigos interlocutores – sindicatos, centrais sindicais, etc – a interlocução. Porque com esses o governo, o PT e o Congresso sabem conversar. Com esse sujeito difuso, que eu chamo de ativistas autorais, que não são dirigidos, o governo tem muita dificuldade de entendê-los e tem uma atitude reducionista e reativa.
Qual a melhor forma de dialogar com esse novo agente político, uma figura quase inédita no Brasil?
Esse sujeito difuso não é uma característica só do Brasil. Ele está presente no mundo inteiro: o movimento Occupy Wall Street, os Indignados e mesmo o caso da Primavera Árabe, que é uma luta por democracia. Isso é um espírito de época. Esse é o sujeito desse novo tempo.
Não há uma resposta definitiva. Mas, com certeza, a forma não é de falar para as pessoas. É de criar mecanismos para conversar com as pessoas. E, ainda que haja um conjunto de bandeiras, elas se organizam, no meu entendimento, num único ponto, que é a questão dos valores. As pessoas querem um mundo melhor.
Essa movimentação política afetou a fundação da sua Rede Sustenbilidade?
A Rede Sustentabilidade é a tentativa de uma nova ferramenta política que seja capaz de contribuir para esse novo processo e de criar canais de expressão para esse novo sujeito político que se coloca. Não é algo particular do Brasil, mas no mundo inteiro essas iniciativas estão brotando. Mas aqui, claro, somos os pioneiros.
Conseguimos já 760 mil assinaturas, precisaremos de 496 mil assinaturas validadas no cartório para validar a Rede. Conseguimos isso num tempo recorde. Os partidos tradicionais levam de oito a 12 meses para conseguir essa quantidade de assinaturas. Nós conseguimos em menos de quatro meses e com recursos financeiros muito precários.
A candidatura à Presidência em 2014 está nos planos?
É uma possibilidade. Ainda uma possibilidade. Eu ainda não estou no lugar de candidata e acho que foi um erro esta antecipação das eleições porque é fundamental que se crie intervalos. A maior parte da produção política relevante não acontece num momento de pico, durante a campanha, mas acontece no momento em que se tem espaço para debater ideias, propostas, para dialogar com os diferentes setores da sociedade e agentes políticos.
Não podemos ir para uma eleição apenas analisando os aspectos da conjuntura. Qual é a nova visão que se tem? Qual é a agenda que se tem de país? Um grande desafio que um movimento como esse coloca para a política é o de uma agenda estratégica que seja independente do partido que estará no governo.
Durante os protestos nas ruas e também nas mídias sociais viu-se muitos cartazes questionando o Brasil como Estado laico. E também, em alguns momentos, você foi questionada sobre o papel de Marco Feliciano – a imprensa divulgou, inclusive que você saiu em defesa do Parlamentar.
Qualquer pessoa que leu a matéria que foi feita pelo Correio de Pernambuco, que fez uma edição criminosa da minha fala, sabe que eu não fiz uma defesa do Feliciano. Eu fiz uma crítica, dizendo que ele não estava preparado para a Comissão de Direitos Humanos porque ele não tem preparo para tratar dos temas do comportamento, da questão indígena e dos desaparecidos políticos. Alguém deduzir que quem fala dessa forma está fazendo uma defesa é uma atitude maldosa.
O Brasil tem uma Constituição que assegura o Estado laico. E nós sabemos que existe uma diversidade social, cultural e religiosa. E isso não deve ser colocado em jogo. Acho que existem aqueles que fazem a militância de propósito para tentar criar essa confusão. Estado laico não é Estado ateu. Estado laico é para defender os direitos de quem crê e de quem não crê. Os direitos civis das pessoas devem ser respeitados. E esse é o debate que tenho feito. Mas, obviamente, que interessa alguns grupos e alguns setores tentar fazer esse tipo de confusão.
Os desafios ambientais que o Brasil enfrenta também foram lembrados nas ruas? Ou o governo está fazendo boas políticas nessa área?
Por parte do governo não. Nós estamos vendo grandes retrocessos. Mudaram o Código Florestal para anistiar quem destruiu ilegalmente 47 milhões de hectares de floresta. O desmatamento já voltou a crescer em relação ao ano passado. Mudaram as competências dos órgãos ambientais, sobretudo o Ibama, para fiscalizar desmatamento. E agora estão querendo mudar a lei que cria as terras indígenas. A atitude do governo, infelizmente, tem sido a de promover um grande retrocesso na agenda ambiental.
O fato de as pessoas não colocarem um cartaz pela defesa do meio ambiente não significa que elas não estejam preocupadas com isso. Tanto é que as manifestações que aconteceram na internet tinham a ver com a questão ambiental. Foram colhidas mais de um milhão de assinaturas contra a mudança do Código Florestal, quase dois milhões contra Belo Monte, por exemplo.