‘Aspas’ ao professor Mangabeira Unger

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A FSP perguntou ao professor de Harward, o brasileiro Mangabeira Unger.

Professor de Harvard critica políticas compensatórias e plano do governo para a Amazônia

 

Como avalia os primeiros cinco meses do governo Lula? 

Primeiro, me permita dizer que é muito importante que o governo Lula dê certo. Todos nós, inclusive críticos do governo Lula, queremos que dê certo. Mas o presidente parece morar no passado, encarando a tarefa atual como continuação dos mandatos anteriores. Está cercado por auxiliares que não dizem “não” a ele, o que é perigoso porque a tarefa agora é muito diferente da tarefa anterior [os dois primeiros mandatos].

Diferente em que sentido? 

A desqualificação produtiva do país se aprofundou. Caminharíamos rapidamente para uma grande crise econômica se a situação não fosse atenuada pela riqueza em recursos naturais. Agricultura, pecuária e mineração pagam as contas do consumo urbano e, para o bem e para o mal, evitam que enfrentemos nossos problemas estruturais.

O Brasil é representativo da situação da maioria dos grandes países populosos. Temos uma maioria pobre –se não pobre absolutamente, pobre relativamente. Mas essa maioria, em vez de ter um horizonte proletário, como o marxismo descreveu, tem um horizonte pequeno-burguês. Aspira a uma modesta prosperidade e à independência.

Por falta de opções mais acessíveis, acaba se identificando com essa aspiração do emergente: um pequeno lote de terra, um comércio. Sem escala, sem tecnologia, dependente da autoexploração (são pessoas que trabalham intensamente) e do financiamento familiar.

É aí que Bolsonaro garantia o núcleo duro de sua base de apoio. A contrapartida moral a essas opções econômicas limitadas é o individualismo, o materialismo, o consumismo, articulados de forma mais explícita pelo movimento evangélico. É uma espécie de liberalismo para as massas, que diverge do que foi a característica predominante da nossa cultura social. Essa cultura costumava combinar nas mesmas relações sociais a troca, a prepotência e o afeto. Poderia se descrever como a sentimentalização das trocas desiguais.

Esse movimento dissolve esse amálgama, atribuindo a troca ao mercado, o poder à política, e a afeição à família. Essa tem sido uma forma como as sociedades modernas se libertam. Ao se libertarem, tornam-se frias, e o Brasil não quer isso, quer encontrar um jeito de ser livre e caloroso ao mesmo tempo.

É esta a situação: nós temos essa nova base dos emergentes. Objetivamente, não são uma pequena burguesia, a grande maioria deles são pobres. Mas, subjetivamente, eles já assimilaram essa cultura da iniciativa.

E o governo Lula continua a tratar o Brasil como se fosse apenas um país de pobres, precisando de transferências de ajuda para atenuar a miséria, mas o Brasil agora é muito mais do que isso. Mesmo quando pobre, os brasileiros querem ser abordados como agentes a empoderar, não só como beneficiários a cooptar.

A grande tarefa dos progressistas seria abordar essa nova maioria popular e lhe oferecer alternativas. Na economia, envolvê-la numa nova dinâmica de produtividade. Além disso, multiplicar formas de ação coletiva para tornar esse movimento mais magnânimo e solidário, sem abandoná-los ao egoísmo familiar materialista. Essa é uma visão geral da situação.

Essa realidade social não produziria automaticamente o milagre de crescimento se não for combinada com uma cisão dentro das elites, que foi necessária em todos os episódios de milagre econômico da história moderna. A única exceção talvez seja a Inglaterra no século 18, mas todas foram assim a partir dos EUA no início do século 19.

Essa cisão envolvia sempre uma ruptura dentro da elite endinheirada, entre o rentismo financeiro e o produtivismo, com a formação de uma contraelite que associava o produtivismo ao nacionalismo e que apelava para a maioria popular.

A arrancada de desenvolvimento do Brasil teria essa base popular que eu descrevi, mas que não pode atuar sozinha numa sociedade de classes. Precisa de uma aliada de elite, com essas características: produtivista e nacionalista. A base existe, o que não existe ainda é o projeto.

(…)

A conversa importante da FSP com o professor Magambeira, que apoiou Ciro para presidente, segue em outro post…mais adiante…

 

 

 

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