OEstadoAcre.com reporduz entrevista publicada no GGB, há 12 anos…
ENTREVISTA DANIELA AUAD
“Toda ofensa contra uma mulher e contra o feminino é contra todas” diz feminista que faz palestra em Salvador a convite do GGB e Diadorim no mês da mulher!
Salvador, Bahia, quarta-feira, 23h 7 de março de 2012!
Por MARCELO CERQUEIRA [email protected]
Autora de obras como “Feminismo: que história é essa?” e “Educar Meninas e Meninos”, entre outros, aborda questões de gênero e políticas públicas.
Marcelo Cerqueira – Como vai professora, tudo bem?
Daniela Auad – Apesar de toda a violência que as mulheres lésbicas têm sofrido tanto como mulheres quanto como homossexuais, parece que está tudo começando a melhorar, a custo de muita luta cotidiana das mulheres e dos Movimentos Sociais, os quais nós integramos e construímos, como o Movimento Feminista e o Movimento LGBT.
MC – A senhora além de ser uma intelectual conceituada é uma ativista para as questões de gênero. Conte qual foi a motivação em entrar na “Women’s Liberation Front”?
DA – Desde o Ensino Médio, quando fui apresentada, por uma professora do Magistério chamada Amarilis, ao livro O Poder do Macho, escrito por Heleieth Saffioti, sinto-me feminista e tenho atitudes coerentes com o ideário desse Movimento Social que é múltiplo e diverso no que se refere às variadas mulheres que nele militam e as quais ele, como movimento, toca e influencia.
MC – Algumas influências externas contribuíram com essa decisão. A inspiração vem de onde?
DA – Em diferentes momentos da vida, as leituras e depois o convívio com mulheres como Heleieth Saffioti, Maria Victoria Benevides, Helena Hirata, Eliane Cavalleiro e Cláudia Lahni são inspiradoras no que se refere ao desejo de construção de uma sociedade democrática que considere enfaticamente e em conjunto as questões de gênero, de raça, de orientação sexual e de classe, nos mais variados campos, como a política, a comunicação e a educação.
MC – Na sua perspectiva, como tem sido feito o debate sobre o gênero feminino nas questões envolvendo violência e estigmas nesse momento de pós-modernidade. Tem avançado?
DA – O debate tem avançado tanto nos Movimentos Sociais quanto na Universidade, com muita disputa e sem consenso sobre questões básicas. É comum ouvir feministas dizendo que o problema da lesbofobia deve ser trabalhado pelo Movimento LGBT, com o que não concordo. A lesbofobia é problema do Movimento Feminista e do Movimento LGBT. Ao invés de afirmar que sou lésbica e não sou mulher (em que se pese meu respeito pela abordagem de Monique Wittig), afirmo que sou lésbica, mulher e feminista e, portanto, lesbofobia é violência contra mulher da mesma forma que outras violências sofridas pelas mulheres pelo fato de serem mulheres. A lesbofobia também é crime homofóbico, que assume específicas formas por se tratar de violência contra mulheres.
MC – E esses avanços favorecem as variações de gênero feminino?
DA – Essa perspectiva mencionada por mim, a qual considera a Alquimia das Categorias Sociais, como nos ensina a Profa. Mary Castro, é potente na pós-modernidade e vai contra a fragmentação que tanto tememos. Na contramão da desarticulação e da temida fragmentação, há de se pensar que toda ofensa contra uma mulher e contra o feminino é contra todas. Trata-se de reativar a máxima “Mexeu com uma, mexeu com todas!” Nesse sentido, não se trata de dizer que sou lésbica e não sou mulher. Sou mulher, então, somos todas sapatãs, sapatonas, sapatas, fanchas ou como queiramos nos chamar!
MC – Existe algum gargalo nesse debate. Como superar e trazer as mulheres trans para a Women’s Liberation Front?
DA – Um preconceito nunca vem sozinho. LESBOFOBIA é Violência contra a Mulher e onde há um preconceito pode haver muitos outros. Esse ano, no trote da UFJF, havia uma caloura carregando uma placa, feita por veteranos/as, na qual se lia “Caloura com Cara de Sapatão”. Logo atrás da aluna, vinha outra, carregando placa na qual se lia “Caloura com Cara de Puta”. Isso mostra que o exercício da sexualidade de mulheres lésbicas e heterossexuais é tomado como xingamento. De outras maneiras, a sexualidade dos homens é controlada e é motivo de xingamento, estupro e morte quando os homens não agem dentro da heteronormatividade. Nesse sentido, mulheres heterossexuais, lésbicas e transexuais podem estar juntas na luta e nos debates, pois são diferentes femininos que, de variadas maneiras, são detestados, xingados, combatidos, escorraçados, apedrejados e assassinados por negarem a dominação masculina presente em múltiplas esferas, nas famílias, nas universidades, nos partidos políticos e nos movimentos sociais.
MC – Professora, o movimento de gênero muitas vezes não consegue renovar as suas lideranças, não desperta o interesse dos jovens especialmente das mulheres. Como explicar?
DA – O Movimento Feminista tem jovens feministas. E isso é muito positivo. Eu discordo que não estejamos formando novas lideranças. Por vezes, as lideranças desconhecem o histórico das bandeiras de luta e as mulheres militantes que vieram antes de nós, mas isso pode ser – e tem sido – corrigido com informação, estudo e debate.
MC – Então, ao que parece é simples basta é ter iniciativa, reconhecer no cotidiano essas expressões e combatê-las?
DA – Não é algo simples, mas pode começar com cada uma de nós/cada um de nós não achando que o problema é da outra e não meu. Mexeu com uma, mexeu com todas é, para mim, a máxima cada vez mais potente. Quando alguém mata uma travesti, isso é problema meu. Quando uma companheira negra heterossexual é surrada, isso é problema meu. Quando um companheiro gay é morto por amar outro homem ou andar de mãos dadas com ele, isso muito se relaciona com a luta feminista na qual venho investindo há muitos anos. Sinto-me direta e pessoalmente ofendida toda vez que alguém é punido por estar fora do lugar esperado dentro dos moldes binários de gênero, heteronormativos, patriarcais e etnocentrados na brancura. Essa perspectiva suscita o debate das misoginias dentro dos Movimentos Sociais, o que é algo a ser combatido e eliminado para podermos eliminar a violência contra os femininos todos.