Por Cláudio Ezequiel* – Vivemos em uma sociedade profundamente ferida. O ódio, a mentira, a discriminação e o racismo têm se espalhado como uma praga silenciosa. Não é raro abrir as redes sociais ou sair às ruas e se deparar com discursos de ódio travestidos de opinião, com mentiras disseminadas como se fossem verdades, e o pior, toda essa barbárie são alimentadas por aqueles que deveriam ser exemplos de liderança.
Em momentos como este com tamanha perversidade, confesso: se o homem fosse um ser insociável, eu buscaria refúgio nas montanhas, dentro de uma caverna, longe dessa podridão para não ter mais contato com essas atrocidades que tantos, sem pudor, têm escolhido cultivar, produzir e propagandear.
Este sentimento de querer me isolar não vem da fraqueza, mas da exaustão emocional.
É o cansaço de quem ainda se importa, de quem se recusa a aceitar o mundo como está. É a repulsa diante da naturalização da crueldade, da hipocrisia política e religiosa, da banalização da vida humana. É a indignação de quem enxerga com clareza que muitos perderam qualquer senso de humanidade, conduzidos por ideologias vazias, por fanatismos cegos, por egoísmo disfarçado de liberdade.
É inadmissível ver o mal prosperando e o justo padecendo, tempo parecido com os dias que viveu o profeta Habacuque em Judá: “Até quando, Senhor, clamarei por socorro, sem que tu ouças? Até quando gritarei a ti: Violência! — e não salvarás?” (Habacuque 1:2).
Essa mesma angústia atravessou o coração de Elias quando, diante da perseguição e ameaças de Jezabel, fugiu para o deserto e pediu a morte, acreditando que estava só (1 Reis 19:4,10). Mas Deus o visitou e lhe disse: “Levanta-te e volta”.
Hoje estamos cercados por um bando de cretinos, defensores do mal disfarçado de opinião — insensíveis, violentos, arrogantes que escolheram o caminho da cegueira moral — que dominam espaços, decisões e vozes que distorce até mesmo a fé cristã para justificar seu ódio. É exatamente por isso que enquanto cristãos, não podemos nos calar. A indignação é um combustível perigoso se guardado apenas para si, mas pode ser poderosa quando transformada em consciência, palavra e ação.
Cristo, ao vir ao mundo, não se isolou do pecado, mas o confrontou com verdade e graça. Ele mesmo disse: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (João 16:33). “Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, mal” (Isaías 5:20). “Sede fortes e corajosos. Não temais… pois o Senhor teu Deus é quem vai contigo” (Deuteronômio 31:6).
Nosso chamado não é fugir, mas resistir. Resistir à mentira com a verdade. Resistir ao racismo com a dignidade de todos os povos criados à imagem de Deus (Gênesis 1:27).
Resistir ao ódio com o amor que não se corrompe — aquele que “não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade” (1 Coríntios 13:6).
A indignação, quando alicerçada na justiça de Deus, é santa. Jesus se indignou no templo (Mateus 21:12-13), Paulo resistiu a Pedro quando este foi hipócrita com os gentios (Gálatas 2:11-14), os profetas choraram e bradaram contra a corrupção do povo. Também nós, como sal e luz (Mateus 5:13-14), somos chamados a brilhar no meio da escuridão — não com arrogância, mas com firmeza e esperança.
Se não podemos viver nas montanhas, sejamos nós as montanhas de firmeza e fé no meio do vale. Se não podemos evitar o contato com a maldade, que ela não nos corrompa, mas nos leve a clamar como o salmista: “Não me deixes ser confundido, Senhor, pois em ti confio” (Salmos 25:2).
Que nossa indignação não nos torne amargos, mas firmes. Que ela não nos isole, mas nos envie. Que ela nos lembre que, mesmo diante da barbárie, há um Reino sendo construído — e nele não haverá mais pranto, nem dor, nem injustiça.
Por fim, Jesus ao ser rejeitado e injustiçado, também sentiu angústia e solidão, mas optou por enfrentar o mundo — não fugindo dele, mas amando e confrontando com coragem. Ele chorou, gritou, resistiu, denunciou. Isso também nos inspira a fazer a lutar contra essas barbáries e não sermos cúmplices com a injustiça.
*Claudio Ezequiel, professor