O Brasil progressista questiona e denuncia os ‘métodos javajatistas’ usados contra o reitor da UFSC, que findou cometendo suicídio num shopping de Santa Catarina – J R Braña B.
Do site da Universidade de Santa Catarina:
A terça-feira, 3 de outubro, amanheceu silenciosa na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O brilho do sol acompanhava os transeuntes no campus e adentrava calmamente pelo hall da reitoria. No local, servidores, estudantes, familiares, amigos e autoridades locais e nacionais davam o seu adeus ao reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Homenagens marcaram o velório, que iniciou às 17h de segunda-feira, com a chegada do corpo do reitor na universidade.
Por volta das 11h, um cortejo seguiu para a Sessão Solene Fúnebre do Conselho Universitário e do Conselho de Curadores, realizada no auditório Garapuvu, no Centro de Cultura e Eventos da UFSC. O mesmo local que recebeu Cancellier na solenidade de posse em 10 de maio de 2016, recebeu seu corpo para uma última homenagem. Uma foto do reitor estampava os dois telões do auditório. A beca branca e um colar com o brasão da universidade ocuparam a cadeira vazia na mesa solene, ao lado de Alacoque Lorenzini Erdmann, reitora em exercício.
Com capacidade para 1.375 assentos, o auditório estava lotado, com pessoas sensibilizadas com a morte do reitor, muitas de pé e sentadas no corredor. Nos discursos, predominaram as críticas à ação da Operação “Ouvidos Moucos” da Polícia Federal, que resultou na prisão, por um dia, e afastamento do reitor da universidade desde 14 de setembro. A cobertura midiática desses últimos eventos também foi ressaltada como irresponsável e desproporcional. Uma faixa foi levada até o palco com a frase: “Democracia de luto em luta! Aqui mais uma vítima: da canalhice do estado de exceção e sua mídia.”
Eduardo Moraes, representante dos estudantes, foi o primeiro a discursar e, em tom enfático, disse que Cancellier vivia a universidade: “O reitor vivia o universo da UFSC e fazia dela a sua casa. Os teus alunos preservarão a tua universidade.”
Um espaço de todos, plural e diverso foram alguns dos aspectos da atual gestão expressos nos discursos, que uniam a personalidade do reitor ao que se buscava para a universidade. “A tolerância, o diálogo e o entendimento das necessidades do outro eram características do Cancellier”, disse Arnoldo Debatin, representante dos diretores de Centros da UFSC.
Rosi Correia de Abreu, representante dos técnico-administrativos, lembrou o espírito conciliador do reitor: “Cancellier guiou o grupo gestor como um maestro, porque queria uma administração que trouxesse o orgulho e a valorização da UFSC.”
Falando em nome dos docentes, Gregório Varvakis recordou a carreira de Cancellier construída na universidade, especialmente junto ao Direito. “Queremos que o contraditório e a justiça ensinados nesta escola prevaleçam. Que a justiça, a lei e o direito em que Cao acreditava prevaleçam. Que a sua vida sirva de inspiração para, unidos, levarmos aos quatro cantos o quanto a UFSC é nobre e quanta injustiça foi cometida.”
O senador Nelson Wedekin recitou um texto poético e profundo em nome da família do reitor. “Mãos invisíveis o empurraram das alturas. Que mãos são essas que sabem o que é vingança, mas não o que é justiça? Não se passa, assim, o país a limpo.”
O ex-reitor Ernani Bayer, em nome dos ex-reitores da UFSC, frisou a necessidade de manter viva na universidade o resgate do diálogo. “Cabe a todos nós homenageá-lo todos os dias com o nosso respeito por aqueles que lutaram e lutam pena universidade pública e gratuita.”
Emmanuel Zagury Tourinho, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), representando todos os reitores das universidades federais, reforçou a necessidade de reflexão sobre o momento que o país enfrenta na atualidade. “As universidades, enquanto locais de desenvolvimento do pensamento crítico, têm um papel fundamental a desempenhar no Brasil de hoje. Precisamos atuar na recolocação do país na garantia do respeito e da liberdade de cada cidadão, para que mantenhamos o acesso igualitário a todos à educação pública e gratuita.” Emmanuel informou, ainda, que os reitores e reitoras das universidades públicas federais decretaram três dias de luto oficial. “Esse luto coletivo mostra nossa tristeza, solidariedade, coesão e disposição em lutar pela universidade pública e honrar a todos que se dedicam à universidade pública neste país.”
Amigo de infância de Cancellier, o desembargador Lédio Rosa de Andrade falou, em nome do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ/UFSC), sobre a trajetória do amigo. “Chegamos à UFSC como alunos de direito, enfrentamos a ditadura e, que irônico, foi na reitoria que fizemos assembleias em busca da democracia e da autonomia da universidade pública e gratuita. De estudante para professor, orgulhoso disso, Cao tinha o sonho de tornar a UFSC a maior universidade do país.”
Rogério Cid Bastos, decano dos professores da UFSC, lembrou da primeira fala do reitor eleito a dois de seus opositores. “Vamos olhar o futuro. Esses eram os valores de Cancellier: uma pessoa pacifista, calma, aberta ao diálogo e conciliadora.”
O governador em exercício do estado de Santa Catarina, Eduardo Pinho Moreira, manifestou a nota do procurador geral do estado como sendo o posicionamento oficial do governo. “Santa Catarina e o Brasil enfrentam sentimentos que se misturam: perplexidade e um sofrimento que não terminou e vai se perpetuar. O estado está de luto.”
Áureo Mafra de Moraes, chefe de gabinete, fez questão de recordar a diversidade da UFSC. “Importante e simbólico neste momento é a presença dos intérpretes de libras, que representam a pluralidade da UFSC, a diversidade que acolhe, o perfil novo e diferente de uma instituição com apenas 57 anos. Aqui tem mais um tanto de Cancellier”, disse ele, frisando que a diversidade da UFSC foi a marca da campanha do último vestibular, que trouxe como personagens os rostos que constroem a UFSC.
O encerramento da Sessão Solene Fúnebre foi realizado pela reitora em exercício. Alacoque manifestou os agradecimentos à família, por entender a figura pública de Cancellier e permitir compartilhar com a comunidade as homenagens e despedida. “A UFSC reconhece a importância das contribuições da pessoa do professor doutor Luiz Carlos Cancellier de Olivo para a instituição que, certamente, ficará marcada de forma indelével na história e no legado para as próximas gerações.”
A Orquestra e Câmara Madrigal da UFSC encerrou as homenagens com a mesma música escolhida por Cancellier no momento da sua posse: Blackbird, The Beatles.
Ao fim da cerimônia, iniciou-se uma vigília, que transcorreu até o momento em que o caixão seguiu para Cemitério Jardim da Paz, em Florianópolis, em cortejo fúnebre. Às 16h, foi realizada a cerimônia ecumênica e, a seguir, o sepultamento.
Texto: Nicole Trevisol/Jornalista da Agecom/UFSC