crônica dandão #
oestadoacre estreia hoje a ‘Crônica de Dandão’ (Francisco Pinheiro) com o jornalista, poeta, professor, amante das letras, do futebol e do Acre…mesmo ele morando lá em Fortaleza (CE).
Janela de apartamento
Por Francisco Dandão
De uma das janelas aqui do apartamento onde eu moro, em Fortaleza, dá para ver um campinho de futebol desses de pouquíssima grama. E todos os dias, religiosamente, uma porção de marmanjos de variadas idades, tamanhos, cores e raças se reúne no local para bater a sua peladinha.
A pelada, invariavelmente, começa no finalzinho da tarde. E dá tanta gente querendo participar que, quase sempre, formam-se três ou quatro times. O time que toma um gol dá a vaga para outro. Se não sair gol em até 15 minutos, decide-se o vencedor na disputa de pênaltis alternados.
No rolar da bola se pode ver de tudo um pouco. Desde uns sujeitos magrinhos dribladores, desses que escondem a redondinha no arco das pernas, passando por criaturas parrudas que desferem sarrafadas para todo lado, até uns quantos que não acertam um passe a meio metro do corpo.
Dentro dessa turma que não acerta um passe de meio metro, a julgar pela minha percepção à distância, está o dono da bola. Pelo menos é sempre ele que eu vejo chegar ao local com a dita cujo debaixo do braço e, na sequência, quem primeiro escolhe os jogadores que formarão o time dele.
Aliás, por falar na bola, acho um verdadeiro milagre que ela ainda acabe inteira ao final de cada sessão. São tantos os maus tratos aos quais ela é submetida que se pode dizer que a referida é uma verdadeira heroína da resistência. Apesar de desgastada, porém, ela sempre volta no dia seguinte.
O árbitro, esse merece um parágrafo à parte. Todas as suas decisões (todas mesmo!) são contestadas pelo time penalizado. E, não raro, tem jogador querendo dar-lhe uns sopapos. Mesmo assim, na tarde seguinte os jogadores outra vez lhes entregam o apito. E ele aceita de novo e de novo.
Um dia desses, vi dois jogadores saírem no tapa. Porrada feia mesmo. Depois de uma pequena troca de impropérios, os caras levantaram os punhos cerrados à altura do rosto e passaram a fazer movimentos como o de pugilistas profissionais. Depois se agarraram e rolaram pelo piso sagrado.
Tudo foi muito rápido. A briga não durou nem dois minutos. Logo os brigões foram separados e expulsos da pelada. Cada um foi para um lado, cercado pelos respectivos amigos. Pensei que a coisa, depois, poderia piorar. Mas ficou nisso mesmo. E na pelada seguinte o fato já parecia superado.
Eu diria que sou um espectador privilegiado da pelada do Mucuripe. Por esses dias, entretanto, dado a quarentena, a pelada está suspensa. No lugar dos jogadores só cadelas no cio e cachorros vadios aproveitando o espaço para a sua cópula. Da janela agora meus olhos fitam o campo vazio!
[Francisco Pinheiro Dandão, acreano, mora Fortaleza (CE) desde 2015.]
Dandão participou do ‘Conversa da noite’, junto com o repórter esportivo Manoel Façanha, cujo tema foi ‘Futebol no acreano em tempos de coronavírus’…assista abaixo
Clique no sininho vermelho e receba automático as notificações de oestadoacre direto no celular e desktop