Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que a distribuição dos recursos extraordinários destinados ao enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Brasil, por meio de emendas parlamentares, não utilizou critérios claros e concentrou-se predominantemente na área de atenção hospitalar, deixando de lado estratégias preventivas e de controle da disseminação do vírus. A análise sobre os repasses feitos em 2020 evidencia a participação das emendas parlamentares nessa distribuição, representando cerca de 7% do total de recursos destinados à saúde pública.
Conforme os dados levantados, no ano de 2020 foram empenhados R$ 33,1 bilhões em transferências para combate à Covid-19, sendo que R$ 32,1 bilhões foram efetivamente transferidos no ano para os estados e os municípios, dos quais R$ 2,32 bilhões correspondem a emendas parlamentares. Essa proporção de 7,2% destinada às emendas é semelhante à proporção de emendas destinadas a transferências regulares do Fundo Nacional de Saúde (FNS).
Os recursos destinados por emendas parlamentares foram distribuídos de forma equivalente entre estados e municípios, com os estados recebendo 51,1% e os municípios 48,9%. No entanto, a distribuição dos recursos por emendas parlamentares não parece ter seguido critérios prévios relacionados à capacidade instalada, divisão de competências entre os entes federativos ou necessidade de saúde da população. Isso é evidenciado pela comparação com os repasses regulares do FNS em 2019, em que os estados receberam 25,2% e os municípios 74,8% do total.
A distribuição dos recursos extraordinários não foi realizada no momento necessário para enfrentar a pandemia. Os repasses foram realizados de forma tardia, coincidindo com o primeiro pico da pandemia, nos meses de julho e agosto de 2020, quando já se observava um aumento significativo no número de casos e óbitos. Essa demora comprometeu a capacidade de expansão da rede de saúde e dificultou o planejamento adequado por parte dos gestores. As emendas parlamentares, por sua vez, foram distribuídas de forma mais célere que os demais recursos extraordinários para combate à pandemia.
A análise das áreas finalísticas de aplicação dos recursos também revelou que a maioria foi direcionada para a assistência hospitalar e ambulatorial, enquanto as estratégias de prevenção, controle e rastreamento receberam uma proporção menor. Isso resultou em um desequilíbrio na destinação dos recursos entre ações preventivas e de controle e o cuidado assistencial pós-infecção, prejudicando a eficácia das medidas de contenção da disseminação do vírus.
A falta de critérios claros na distribuição dos recursos extraordinários e o foco na atenção hospitalar levantam questões sobre a adequação da destinação por meio de emendas parlamentares na área da saúde. Esses recursos, consoante a Lei Complementar n.º 141/2012, deveriam ser alocados de forma equitativa, levando em consideração as necessidades de saúde da população e a pactuação entre os gestores das três esferas de governo, ou, de uma forma mais ampla, os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).
A nota técnica da Ipea ressalta a importância de discutir o tema da distribuição de recursos via emendas parlamentares e estabelecer critérios de partilha mais claros e alinhados com as diretrizes do SUS. O texto enfatiza a necessidade de investimentos em estratégias de prevenção e controle da disseminação do vírus, visando reduzir a demanda por cuidados hospitalares e garantir uma resposta mais eficaz no enfrentamento da pandemia.