O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) comemora a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de vetar, mesmo que parcialmente, o PL 2.903. O presidente cumpre seu compromisso com os povos indígenas ao vetar a tese do Marco Temporal, que limita o direito dos povos indígenas a seus territórios.
“Nós podemos considerar uma grande vitória os vetos aqui apresentados pelo presidente, de reafirmar a decisão do Supremo Tribunal Federal, e de garantir essa coerência do governo com a agenda indígena, com a agenda ambiental e com a agenda internacional”, disse a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em coletiva de imprensa após reunião do Palácio da Alvorada.
O Marco Temporal já foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento histórico encerrado no mês passado, com isso, não caberia a um projeto de lei disciplinar de modo contrário ao previsto na Constituição.
A ministra também reafirmou a disposição de seguir a articulação, promovendo os diálogos necessários com o Congresso Nacional, para que todos os vetos apresentados sejam mantidos quando apreciados por deputados e senadores.
Sonia Guajajara lembrou que o MPI pediu o veto total ao projeto, mas que após análise minuciosa feita em conjunto com a Advocacia-Geral da União (AGU) e com a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), os artigos que foram mantidos já estão garantidos na Constituição.
Além do Marco Temporal, o PL 2.903, avançava sobre outros direitos indígenas como contato com povos isolados, mineração em terras indígenas, revisão de demarcação, perda de terras por alegada aculturação e permissão para cultivo de organismos geneticamente modificados. Todos esses pontos foram vetados.
O ministro da SRI, Alexandre Padilha, explicou que o veto respeita a Constituição, a decisão do STF e a posição dos ministérios consultados. Os vetos também levaram em consideração o interesse público e a coerência com a política de defesa dos povos indígenas. “Sobram alguns artigos que têm coerência com a tradição da política indigenista brasileira desde a Constituição de 88”, disse Padilha, complementando que os vetos foram comunicados previamente aos chefes dos Poderes Legislativo e Judiciário.
O Advogado-Geral da União, Jorge Messias, reforçou que a decisão que o presidente Lula tomou foi por garantir a separação e a independência entre os Poderes.
O MPI reafirma seu compromisso de apoiar e estabelecer políticas que criem condições para fortalecer a sociobioeconomia dos povos indígenas e defender o usufruto exclusivo como previsto pela Constituição. A decisão do STF e os vetos trazem segurança jurídica e previsibilidade para que os processos de demarcação ocorram dentro dos parâmetros legais, respeitando todos os envolvidos.
A demarcação de terras e o respeito aos modos de vida dos indígenas e demais comunidades originárias é ponto fundamental dentro da agenda de proteção ao meio ambiente e enfrentamento à emergência climática, que está cada vez mais presente na vida de todos, basta olhar para a severa seca na região Norte, enquanto a região Sul sofre com cheias históricas.
Dados das Nações Unidas (ONU), reiterados pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, atestam que os povos indígenas representam 5% da população mundial, mas são responsáveis por 82% da biodiversidade do mundo. Grande parte dessa preservação está dentro do território amazônico.
A agenda de preservação ambiental e enfrentamento às mudanças climáticas é prioritária não só para esse MPI, mas também para todo o governo, que retoma o protagonismo internacional sobre o tema com a liderança do presidente Lula.
Veja os artigos que foram vetados no PL
Art. 4º São terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal, eram, simultaneamente:
I – habitadas por eles em caráter permanente; II – utilizadas para suas atividades produtivas; III – imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; IV – necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 1º A comprovação dos requisitos a que se refere o caput deste artigo será devidamente fundamentada e baseada em critérios objetivos.
§ 2º A ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área pretendida descaracteriza o seu Avulso do PL 2903/2023 [3 de 16] 3 enquadramento no inciso I do caput deste artigo, salvo o caso de renitente esbulho devidamente comprovado.
§ 3º Para os fins desta Lei, considera-se renitente esbulho o efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data de promulgação da Constituição Federal, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada.
§ 4º A cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 5 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada, salvo o disposto no § 3º deste artigo.
§ 7º As informações orais porventura reproduzidas ou mencionadas no procedimento demarcatório somente terão efeitos probatórios quando fornecidas em audiências públicas, ou registradas eletronicamente em áudio e vídeo, com a devida transcrição em vernáculo.
Art. 5º A demarcação contará obrigatoriamente com a participação dos Estados e dos Municípios em que se localize a área pretendida, bem como de todas as comunidades diretamente interessadas, franqueada a manifestação de interessados e de entidades da sociedade civil desde o início do processo administrativo demarcatório, a partir da reivindicação das comunidades indígenas.
Art. 6º Aos interessados na demarcação serão assegurados, em todas as suas fases, inclusive nos estudos preliminares, o contraditório e a ampla defesa, e será obrigatória a sua intimação desde o início do procedimento, bem como permitida a indicação de peritos auxiliares.
Art. 9º Antes de concluído o procedimento demarcatório e de indenizadas as benfeitorias de boa-fé, nos termos do § 6º do art. 231 da Constituição Federal, não haverá qualquer limitação de uso e gozo aos não indígenas que exerçam posse sobre a área, garantida a sua permanência na área objeto de demarcação. § 1º Consideram-se de boa-fé as benfeitorias realizadas pelos ocupantes até que seja concluído o procedimento demarcatório. § 2º A indenização das benfeitorias deve ocorrer após a comprovação e a avaliação realizada em vistoria do órgão federal competente.
Art. 10. Aplica-se aos antropólogos, aos peritos e a outros profissionais especializados, nomeados pelo poder público, cujos trabalhos fundamentem a demarcação, o disposto no art. 148 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
Art. 11. Verificada a existência de justo título de propriedade ou de posse em área considerada necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena, a desocupação da área será indenizável, em razão do erro do Estado, nos termos do § 6º do art. 37 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às posses legítimas, cuja concessão pelo Estado possa ser documentalmente comprovada.
Art. 13. É vedada a ampliação de terras indígenas já demarcadas. Avulso do PL 2903/2023 [6 de 16] 6
Art. 14. Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não concluídos serão adequados ao disposto nesta
Lei. Art. 15. É nula a demarcação que não atenda aos preceitos estabelecidos nesta Lei.
Do artigo 16, foi vetado o parágrafo 4:
§ 4º Caso, em razão da alteração dos traços culturais da comunidade indígena ou de outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo, seja verificado que a área indígena reservada não é essencial para o cumprimento da finalidade mencionada no caput deste artigo, poderá a União:
I – retomá-la, dando-lhe outra destinação de interesse público ou social;
II – destiná-la ao Programa Nacional de Reforma Agrária, atribuindo-se os lotes preferencialmente a indígenas que tenham aptidão agrícola e assim o desejarem.
Art. 18. São consideradas áreas indígenas adquiridas as havidas pela comunidade indígena mediante qualquer forma de aquisição permitida pela legislação civil, tal como a compra e venda ou a doação. § 1º Aplica-se às áreas indígenas adquiridas o regime jurídico da propriedade privada.
§ 2º As terras de domínio indígena constituídas nos termos da Lei nº 6.001, de 19 dezembro de 1973, serão consideradas áreas indígenas adquiridas nos moldes desta Lei.
Do artigo 20, vetado parágrafo único:
Parágrafo único. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.
Art. 21. Fica assegurada a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em área indígena, no âmbito de suas atribuições, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.
Art. 22. Ao poder público é permitida a instalação em terras indígenas de equipamentos, de redes de comunicação, de estradas e de vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e educação.
Art. 23. O usufruto dos indígenas em terras indígenas superpostas a unidades de conservação fica sob a responsabilidade do órgão federal gestor das áreas protegidas, observada a compatibilidade do respectivo regime de proteção.
§ 1º O órgão federal gestor responderá pela administração das áreas das unidades de conservação superpostas a terras indígenas, com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, considerados os seus usos, tradições e costumes, e poderá, para tanto, contar com a consultoria do órgão indigenista federal competente.
§ 2º O trânsito de visitantes e pesquisadores não indígenas deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação, nos horários e condições estipulados pelo órgão federal gestor.
Do artigo 24, vetado parágrafo 3:
§ 3º O ingresso, o trânsito e a permanência de não indígenas não podem ser objeto de cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas.
Art. 25. São vedadas a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza ou a troca pela utilização das estradas, dos equipamentos públicos, das linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocados a serviço do público em terras indígenas.
Do artigo 26, fica o caput, mas são vetados:
§ 1º As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que elimine a posse direta pela comunidade indígena.
§ 2º É permitida a celebração de contratos que visem à cooperação entre indígenas e não indígenas para a realização de atividades econômicas, inclusive agrossilvipastoris, em terras indígenas, desde que:
I – os frutos da atividade gerem benefícios para toda a comunidade indígena;
II – a posse dos indígenas sobre a terra seja mantida, ainda que haja atuação conjunta de não indígenas no exercício da atividade;
III – a comunidade indígena, mediante os próprios meios de tomada de decisão, aprove a celebração contratual;
IV – os contratos sejam registrados na Funai.
Art. 27. É permitido o turismo em terras indígenas, organizado pela própria comunidade indígena, admitida a celebração de contratos para a captação de investimentos de Avulso do PL 2903/2023 [11 de 16] 11 terceiros, desde que respeitadas as condições estabelecidas no § 2º do art. 26 desta Lei.
Parágrafo único. Nas terras indígenas, é vedada a qualquer pessoa estranha às comunidades indígenas a prática de caça, pesca, extrativismo ou coleta de frutos, salvo se relacionada ao turismo organizado pelos próprios indígenas, respeitada a legislação específica.
Art. 28. No caso de indígenas isolados, cabe ao Estado e à sociedade civil o absoluto respeito às suas liberdades e aos seus meios tradicionais de vida, e deve ser evitado, ao máximo, o contato com eles, salvo para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública.
§ 1º Todo e qualquer contato com indígenas isolados deve ser realizado por agentes estatais e intermediado pela Funai.
§ 2º São vedados o contato e a atuação com comunidades indígenas isoladas de entidades particulares, nacionais ou internacionais, salvo se contratadas pelo Estado para os fins do caput deste artigo, e, em todo caso, é obrigatória a intermediação do contato pela Funai.
Art. 29. As terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no inciso XVI do caput do art. 49 e no § 3º do art. 231 da Constituição Federal, bem como a renda Avulso do PL 2903/2023 [12 de 16] 12 indígena, gozam de plena isenção tributária, vedada a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros.
Art. 30. O art. 1º da Lei nº 11.460, de 21 de março de 2007, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º Fica vedado o cultivo de organismos geneticamente modificados em áreas de unidades de conservação, exceto nas Áreas de Proteção Ambiental.”
Art. 31. O caput do art. 2º da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IX: “Art. 2º ………………………….. …………………………………………… IX – a destinação de áreas às comunidades indígenas que não se encontravam em área de ocupação tradicional em 5 de outubro de 1988, desde que necessárias à reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. ……………………………………….”(NR)
Art. 32. O inciso IX do caput do art. 2º de Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 2º ………………………….. …………………………………………… IX – garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição Federal, a posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas em 5 de outubro de 1988, reconhecendo-lhes Avulso do PL 2903/2023 [13 de 16] 13 o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes;