Rory Smith no The New York Times (mais importante jornal dos EUA)
Is Fluminense the Team of the Future?
A história começa com uma mensagem de texto. Tudo o que se seguiu e tudo o que ainda pode acontecer – a glória e a aclamação, a oportunidade e a revolução – resultou de um simples recado. Todos os envolvidos podem concordar com isso. O que não está totalmente claro, porém, é precisamente qual mensagem foi a que contou.
A versão oficial funciona assim. Numa noite de abril do ano passado, o técnico Fernando Diniz enviou uma mensagem a Mario Bittencourt, presidente do Fluminense, um dos tradicionais gigantes do futebol brasileiro. Esse não era o seu modus operandi habitual: em mais de uma década como técnico, ele tendia a esperar que os clubes o procurassem.
Neste caso, porém, ele estava preparado para abrir uma exceção. O Fluminense acabara de demitir seu treinador. Diniz já havia jogado e dirigido o time e guardava boas lembranças da sua época de trabalho com Bittencourt, um advogado de 45 anos. Em seu coração, disse ele, sentia que “era o momento certo para retornar”.
Sua mensagem – cheia de “timidez, reflexão e um sentimento muito puro”, como disse Diniz, que também é a vibe da maioria dos meus WhatsApps – encontrou um público receptivo.
– Era ele quem eu queria, mas ainda não havíamos conversado – disse Bittencourt à TV Globo. Ele atribuiu a coincidência a uma “troca de energia”, algo portentoso demais para ser ignorado. E Diniz conseguiu o emprego.
Existe, porém, outra versão da história, baseada em outra mensagem.
– É engraçado, porque minha esposa e eu quase não discutimos trabalho – disse Mário. – Não só a advocacia, mas o Fluminense também, e ela é uma torcedora apaixonada. Naquela noite, porém, ela também lhe enviou uma mensagem. Dizia simplesmente: “Diniz, Diniz, Diniz”.
Dado o que aconteceu desde então, é fácil ver por que Bittencourt prefere acreditar que a sua decisão foi definida por alguma força universal inefável. Em abril deste ano, Diniz levou o Fluminense ao campeonato estadual do Rio de Janeiro – à frente do seu feroz rival, o Flamengo – para conquistar o primeiro título de sua carreira de treinador.
No sábado, ele pode jogar isso na sombra. Neste fim de semana, o Fluminense enfrenta o Boca Juniors, o gigante argentino, na final da Copa Libertadores, o campeonato de clubes de maior prestígio da América do Sul. Dez times brasileiros conquistaram o continente em um momento ou outro nos últimos 60 anos. O Fluminense não está entre eles. Ainda não.
Apesar de mais de 100 mil argentinos serem esperados no Rio de Janeiro para a partida – os torcedores do Boca viajam em tal número que “onde quer que vamos nos sentimos em casa”, como disse o meio-campista do clube Valentín Barco – o Fluminense tem a vantagem de jogar em casa: a final será disputada no Maracanã. Tudo está alinhado para que Diniz se torne o homem que acabará com a espera.
Seu impacto, porém, ainda pode se estender muito além da dinâmica de poder do futebol nacional brasileiro. Tão significativo quanto o que o Fluminense conquistou sob sua égide é a forma como o fez, jogando um futebol que passou a ser visto – tanto na América do Sul como em outros lugares – como uma visão de futuro.
Como é inevitável, um vocabulário rico tem sido utilizado para descrever o estilo de jogo pioneiro da equipe de Diniz. A utilidade desse vocabulário varia desde o necessário até o inútil: existe o “relacionismo” e o “antiposicional” e, suficientemente evocativo para justificar o itálico em vez das aspas, o Dinizismo.
O que tudo isto tenta expressar é o seguinte: nas escolas de pensamento que dominam o futebol de elite, o princípio permanente é que o campo é definido e dominado por posições. Os jogadores ocupam espaços específicos, tanto quanto sua equipe tem como quando não tem a bola, para controlar o campo de jogo, alongando-o e contraindo-o conforme os seus interesses.
– Diniz vê o futebol de uma maneira diferente – disse Rodrygo, atacante do Real Madrid e do Brasil. Em vez de os jogadores ficarem presos a colocações imaginárias, nos últimos 18 meses, seu time do Fluminense foi marcado pela fluidez.
Os jogadores se adaptam a qualquer função que o momento exigir. Em vez de colocar a ênfase numa estrutura bem definida, o quadro é muito mais flexível. Os indivíduos são incentivados a resolver os problemas tal como os veem, a inventar soluções, a agrupar-se em torno da bola o mais próximo possível, mesmo que isso corra o risco de deixar outras áreas do campo desguarnecidas.
É, segundo o atacante brasileiro Matheus Cunha, um estilo que seria “impossível” ver no futebol europeu. Para Diniz, é uma abordagem particularmente adequada aos jogadores brasileiros, que cresceram não apenas no estilo improvisado do futebol de rua, mas também no futsal, o jogo reduzido que oferece a muitos deles as primeiras experiências no esporte. Dinizismo é o “jogo bonito”, estilo brasileiro, na era da analítica.
A razão pela qual Cunha e Rodrygo têm opiniões sobre isso é uma prova da impressão que Diniz causou. O Fluminense terminou em terceiro lugar no Brasileirão na temporada passada – marcando 63 gols, um total superado apenas pelo campeão Palmeiras – e está apenas um pouco atrás este ano, sem dúvida distraído pela perspectiva de vencer a Copa Libertadores.
Os jogadores brasileiros pressionaram para que Diniz virasse o técnico da seleção, mas suas ideias não se concretizaram imediatamente.
Mas Diniz conquistou tantos corações e mentes que, no início deste ano, foi colocado no controle temporário da seleção brasileira , pelo menos em parte porque os jogadores fizeram lobby em seu nome. (Já em julho do ano passado, nada menos que Neymar havia consagrado Diniz como um dos melhores treinadores do mundo no Instagram).
Os resultados iniciais, com o Brasil, foram mistos: Diniz conseguiu uma vitória simples contra a Bolívia, uma vitória apertada contra o Peru, um empate em casa para a Venezuela e uma derrota abrangente para o Uruguai. Vários jogadores confessaram que, nos intervalos breves e apressados que constituem o futebol de seleções, não é especialmente fácil internalizar um conceito totalmente novo de como jogar futebol.
Para o Brasil, as repercussões desses problemas iniciais são insignificantes: de qualquer maneira, o país se classificará para a próxima Copa do Mundo. Para Diniz, ou mais particularmente para as suas ideias, elas têm muito mais consequências.
O futebol só se entregará a novas ideias durante algum tempo se antes se provar. Para que algo se torne popular, para inspirar a repetição, são necessárias provas de que funciona. Para que Diniz seja considerado um pioneiro, o pai de uma escola de pensamento, o autor de uma revolução, ele precisa de algo tangível, de algo concreto.
Esse pode ser o renascimento da seleção brasileira. Ou, mais provavelmente, pode ser o primeiro troféu da Copa Libertadores da história do Fluminense. Para o clube, isso representaria o glorioso clímax de uma história. Mas para a ideia que o trouxe até aqui, pode ser apenas um começo brilhante.
Publicado no NYT, dos Estados Unidos