Danos sociais, ambientais e econômicos têm sido os resultados de eventos adversos causados pelas mudanças climáticas. A principal perda, sobretudo, é a de vidas humanas nas situações em que verdadeiras tragédias levam histórias e legados, como recentemente ocorreu no Rio Grande do Sul. Com ocorrências mais frequentes, esse cenário exige medidas de prevenção e adaptação em todos os níveis da federação.
Para isso, cabe ao Congresso Nacional garantir o respaldo na legislação para as ações possíveis e necessárias. Além autorizar ajustes nas leis e liberar recursos, o Poder Legislativo tem a função central de garantir o marco legal para uma resposta adequada às mudanças do clima e medidas para frear o aquecimento global, garantir a transição energética e o desenvolvimento sustentável.
Um estudo do World Weather Attribution (WWA, na sigla em inglês), publicado no início de junho, indicou que as mudanças climáticas dobraram a probabilidade de um evento extremo no Rio Grande do Sul e aumentaram a sua intensidade em 6% a 9%. A análise considerou dados meteorológicos e modelos climáticos. De acordo com o estudo, além das mudanças do clima, as falhas de infraestrutura também contribuíram para as enchentes.
A calamidade reforça a necessidade de mais preparo do país em relação às adaptações climáticas. O Senado tem o desafio de ser mais que apenas reativo aos eventos climáticos extremos para ser, sobretudo, propositivo. Para a presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), senadora Leila Barros (PDT-DF), a nova realidade climática também exige um processo de conscientização em prol de “uma compreensão profunda e holística” sobre a interdependência da sociedade e da natureza.
— Para criar uma mudança real e duradoura, precisamos estar dispostos a questionar nossos próprios modos de vida e nos engajar num processo contínuo de aprendizado e evolução. Essa transformação não será fácil e exigirá sacrifícios e comprometimento de todos nós. Cada pequena ação que tomamos, cada escolha que fazemos tem o poder de moldar o futuro do nosso planeta — afirmou durante reunião da comissão.
Para evitar tragédias como a do Rio Grande do Sul, segundo o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, o Congresso pode atuar em duas frentes: no controle de emissões de gases do efeito estufa e nas medidas de adaptações, em especial em áreas de risco.
— O Brasil é um ator importante no quadro dessas emissões, principalmente pelo desmatamento. Então, a primeira medida que o Congresso deveria se debruçar seria fazer legislações que, por exemplo, limitem as emissões dos setores que mais emitem. No Brasil, o setor que mais emite é o setor de mudança de uso da terra ou o desmatamento — declarou em entrevista à Agência Senado.
Ele sugere, por exemplo, iniciativas para aumentar a punição a crimes ambientais, reforçar as agências de fiscalização, buscar uma política de desmatamento zero e ter medidas de aproveitamento das áreas que já foram desmatadas. Outro problema identificado por Astrini é colocar em prática a legislação que já foi aprovada. Na avaliação dele, o Brasil possui uma legislação ambiental robusta, mesmo que, como qualquer outra, precise de eventuais modernizações.
De acordo com Marcio Astrini, a pauta ambiental é uma “agenda de responsabilidade”, com consequências diretas que colocam em risco a vida da população se nada for feito. Ele ressalta que os problemas não são mais apenas previsões em relatórios, mas sim ocorrências frequentes que atingem cidades inteiras.
— A agenda de meio ambiente não é uma agenda de ambientalistas. É uma agenda social. É uma agenda que, se não cuidada, vai aumentar o desemprego. Ela aumenta a fila da fome, piora os índices sociais, piora a desigualdade social. Cuidar do meio ambiente, na verdade, é cuidar do país. O Rio Grande do Sul está ensinando isso pra gente, mas a gente não precisaria pagar esse preço tão caro por uma lição — declarou.
Projetos em tramitação
No Senado, tramitam propostas que endurecem as punições de crimes ambientais. O PL 5.281/2020, do senador Carlos Viana (Podemos-MG), propõe a inclusão do crime de poluição no rol de crimes hediondos — que são inafiançáveis e insuscetíveis de anistia, graça e indulto. O projeto está em análise na CMA.
A comissão também analisa dois projetos que agravam a pena de infrações cometidas em terras indígenas. É o caso do PL 344/2023, do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), e do PL 2.327/2022, elaborado por uma comissão temporária que investigou o aumento da criminalidade na região Norte.
Apesar de propostas positivas para a agenda ambiental estarem em tramitação na Casa, o secretário-executivo do Observatório do Clima avalia que cabe principalmente ao Legislativo evitar retrocessos. Astrini mencionou como exemplos de iniciativas de atraso da agenda climática a anistia para quem desmata, a diminuição de áreas de florestas e áreas de proteção, e o sucateamento de órgãos de fiscalização ambiental.
— O prioritário hoje para o Congresso Nacional é não votar projetos de lei que tornam a situação que já está ruim ainda pior […] Tem uma série de projetos que, se eles forem aprovados, independentemente desses bons projetos que vão ser aprovados, o impacto negativo que eles vão causar é muito maior do que qualquer projeto bom que está em tramitação hoje — disse.
Controle de emissões
O mês de maio deste ano foi o mais quente já registrado na história, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da Comissão Europeia. O recorde de temperatura foi o 12° consecutivo. Na prática, o planeta completou um ano de recordes de calor. É com o aumento da temperatura média global que os eventos climáticos extremos são intensificados.
A Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada da Organização das Nações Unidas, estima a probabilidade de 80% de o aumento da temperatura global média anual ultrapassar — mesmo que temporariamente — o teto de 1,5 º C nos próximos cinco anos.
O risco era perto de zero em 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris. O tratado internacional determinou o compromisso de manter a temperatura média de longo prazo abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais e de buscar esforços para limitá-la a 1,5°C até o final deste século.
No Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que as emissões globais precisam cair 9% a cada ano até 2030 para manter vivo o limite de 1,5°C previsto no Acordo de Paris.
— Temos o que precisamos para nos salvar. Nossas florestas, nossos pântanos e nossos oceanos absorvem carbono da atmosfera. Eles são vitais para manter o 1,5°C vivo ou para nos fazer recuar se ultrapassarmos esse limite. Precisamos protegê-las — disse Guterres durante evento sobre o Dia Mundial do Meio Ambiente, em Nova York.
Pelo fato de o planeta ser formado por sistemas complexos e conectados, Guterres declarou que cada fração de um grau de aquecimento global conta de forma significativa. E a conclusão é simples de se entender: se as emissões globais não forem neutralizadas, o planeta continuará a aquecer e a registrar recordes de temperatura, que continuarão motivando eventos climáticos cada vez mais extremos.
Em 2022, o Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa. Houve uma queda de 8% em relação a 2021. Mesmo com a redução, a emissão no ano passado foi a terceira maior desde 2005, ficando abaixo apenas de 2019 e 2021.
Os maiores culpados pelas emissões brutas são as mudanças de uso da terra, que considera, basicamente, o desmatamento, e o setor de agropecuária. Os dados são do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), elaborado pelo Observatório do Clima.
Com o objetivo de frear as emissões e os impactos climáticos das empresas no Brasil, o Senado analisa o projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono. O PL 182/2024 cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).
A proposta, aprovada em dezembro de 2023 na Câmara dos Deputados, estabelece tetos para emissões e prevê regras para a venda de títulos de compensação. O PL incorporou trechos de outro projeto sobre o mercado de carbono que já havia sido aprovado no Senado (PL 412/2022) com relatório favorável da senadora Leila Barros (PDT-DF).
O projeto cria limites de emissões de gases do efeito estufa para empresas. As que mais poluem devem compensar as emissões com a compra de títulos. Já as empresas que não atingirem o teto de emissões recebem cotas que podem ser vendidas no mercado.
Junto do desmatamento, o uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, o carvão mineral e o gás natural, está entre os principais fatores de emissão de gases do efeito estufa. No Senado, são analisadas alternativas para desestimular esse uso, conforme uma tendência internacional de estímulo à transição energética.
Tramita na Comissão de Meio Ambiente o projeto de lei que institui a política de substituição dos automóveis movidos a combustíveis fósseis. O PLS 304/2017, de autoria de Ciro Nogueira (PP-PI), proíbe a venda de veículos novos a gasolina ou diesel a partir de 2030 e suspende a circulação desses veículos a partir de 2040.
Pelo projeto, há algumas exceções à regra proposta. Automóveis de coleção, veículos oficiais e diplomáticos ou carros de visitantes estrangeiros poderão continuar circulando no país, ainda que usem combustíveis fósseis. A proposta recebeu voto favorável do senador Carlos Viana (Podemos-MG) e aguarda votação.
Na mesma linha, para diminuir as emissões de combustíveis fósseis, também tramita no Senado o PL 528/2020, conhecido como “Combustíveis do Futuro”, que cria programas nacionais para o diesel verde, combustível sustentável para aviação e biometano, além de aumentar a mistura de etanol à gasolina e de biodiesel ao diesel. O texto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e está sendo analisado pela Comissão de Infraestrutura (CI), sob relatoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
Trabalho direcionado
Em 2023, a Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC) foi reativada. O colegiado foi criado em 2008 e funcionou até 2019 com o objetivo de acompanhar, monitorar e fiscalizar, de modo contínuo, as ações da política nacional sobre as mudanças do clima no Brasil.
Retomada no ano passado, a comissão é presidida pela deputada Socorro Neri (PP-AC). O vice-presidente é o senador Humberto Costa (PT-PE) e o relator é o senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
Ao apresentar o plano de trabalho do colegiado na quarta-feira (12), Alessandro Vieira destacou que a questão das mudanças climáticas só poderá ser tratada com “seriedade e consistência”, tendo o setor do agronegócio como parceiro.
— É um setor fundamental para a nossa economia, para a manutenção da segurança alimentar do mundo inteiro, e tem consequências que podem ser claramente ajustadas e mitigadas. Então eu tenho um apreço fundamental por esse eixo — afirmou o senador.
Para além de uma comissão específica, a agenda climática também tem sido discutida por parlamentares em eventos internacionais, como a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), que ocorre anualmente. No ano passado, 16 senadores participaram do evento realizado em Dubai, nos Emirados Árabes.
Em seu plano de trabalho, Alessandro Vieira sugeriu que os integrantes da comissão participem, além da COP deste ano, de outros eventos internacionais da agenda climática em 2024, como a Semana do Clima, em Nova Iorque, de 22 a 29 de setembro, e a Conferência sobre Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, entre outubro e novembro.
No próximo ano, a COP será realizada no Brasil, em Belém (PA). Na condição de sede do evento, o Brasil busca liderar o debate internacional sobre a proteção ambiental e a transição energética. A conferência existe por se tratar de um problema global. Pouco adianta apenas um país tomar as medidas adequadas se os demais não se comprometerem e cumprirem suas metas também.
Os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes não são uma realidade enfrentada apenas pelo Brasil. Neste ano, países do continente africano também registraram chuvas intensas e enchentes e, em Dubai, uma chuva histórica alagou a cidade em abril. Nos últimos anos, os fenômenos climáticos adversos têm sido frequentes em todo o mundo, com ondas de calor, tempestades e seca.
Alternativas climáticas
O aumento da temperatura em todo o mundo está relacionado a uma série de ações humanas e, por isso, diversas áreas têm influência no agravamento da situação climática. Os projetos de lei que visam contribuir para atenuar os efeitos da mudança do clima ultrapassam temas relacionados apenas a regras ambientais e a transição energética.
Tudo o que pode ter impacto ambiental pode ser uma medida relacionada ao aquecimento global e, consequentemente, às mudanças climáticas. Nesse sentido, ganham importância as medidas de conscientização e ações tangenciais, que podem tratar de temas como: gestão e descarte de resíduos sólidos, combate ao garimpo ilegal, proteção de áreas de reservas e bacias hídricas, responsabilização por danos ao meio ambiente e poluição, cuidado com áreas de risco, demarcação e gestão de terras indígenas, entre outros.
O que já foi aprovado
O desafio ante às mudanças climáticas se mostra enorme e exige ações contínuas. Leis recentes aprovadas pelo Congresso buscam contribuir para a prevenção de desastres e medidas de adaptação.
Em dezembro de 2023, foi sancionada a Lei 14.750, de 2023, que amplia os instrumentos de prevenção de desastres e recuperação de áreas atingidas. A norma fixou as competências da União, estados e municípios; as ações de prevenção, de monitoramento de riscos de acidentes ou desastres; e de produção de alertas antecipados. A lei teve origem no projeto (PL 2.012/2022) do senador Eduardo Braga (MDB-AM).
Em relação a recursos, foi publicada a Lei nº 14.691, de 2023, para destinar 5% da arrecadação com multas e infrações por crimes ambientais ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap). O projeto original, da Câmara dos Deputados, foi aprovado pelo Senado em setembro do ano passado.
Neste ano, o Senado aprovou em maio o PL 4.129/2021, que aperfeiçoa e estabelece regras gerais para planos de adaptação à mudança do clima. O texto aguarda a sanção presidencial.
Na lista de aprovações, constam ainda diversas iniciativas para a liberação de recursos ao Rio Grande do Sul, aprovadas em maio. Como a Agência Senado mostrou, desde 2001, diferentes governos direcionaram créditos extraordinários por meio de medidas provisórias para mitigar os danos causados por eventos climáticos em várias áreas do país.
A verba direcionada pelo Poder Executivo nos últimos 24 anos foi de R$ 76,8 bilhões. Neste ano, um valor recorde superior a R$ 12 bilhões foi direcionado ao estado gaúcho.
Agência Senado