Contribuição ao balanço das eleições
municipais de 2024 realizada pelo
Instituto Ecumênico Fé e Política.
Por Hildo C. F. Montysuma – Recentemente, no último dia 16 de outubro, o ex-Senador Sibá Machado que faz parte de nosso grupo do Instituto Ecumênico Fé e Política do Acre – IEFP, fez uma postagem entusiasmado com a divulgação do Prêmio Nobel de economia, destinado a três professores estadunidenses do Estado de Massachusetts. Na referida publicação ele fez a recomendação da leitura da obra PODER E PROGRESSO publicado esse ano no Brasil, onde os autores fazem uma análise da relação entre tecnologia e a prosperidade, estudoque lhes rendeu a importante premiação.
Ao tempo em que agradeci a sugestão da leitura necessária e apropriada para nosso tempo, também recomendei que ela fosse feita acompanhada da igualmente necessária, leitura da Sessão III, do volume III d’O Capital, de Karl Marx, cujo título é: A lei da queda tendencial da taxa de lucro. Procurei justificar minha sugestão apoiado na compreensão que tive, ao ler a resenha de PODER E PROGRESSO, que me pareceu foi que os
vencedores do prêmio Nobel “arrombaram” uma porta que Marx Engels já haviam aberto no século XIX.
Pois bem, do que trata efetivamente “A lei da queda tendencial da taxa de lucro”? o que ela tem a ver com as eleições de 2024 para vereadores e prefeito no Brasil? É o que procurarei explicitar a seguir, ainda que sumariamente. Não como verdade petrificada, eterna, mas como estímulo ao pensamento crítico comprometido com a emancipação dos trabalhadores do trabalho alienado. Entendendo-se o termo trabalho alienado como sinônimo de trabalho não pago, trabalho expropriado, trabalho roubado. É, pois, essa forma de relação social o fundamento de toda a injustiça, de onde brota a miséria em suas múltiplas formas, ou como diria o poeta e dramaturgo alemão Berthold Brecht: nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.
O sistema capitalista se move como uma toupeira, cegamente, em busca do lucro e do acúmulo de capital de forma desmesurada e incessantemente. Essa lógica concentra 1 Hildo Cezar Freire Montysuma – Pedagogo e membro do Instituto Ecumênico Fé e Política do Acre – IEFP e do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz – CEBRAPAZ a riqueza produzida socialmente nas mãos de um punhado pequeno de super capitalistas e socializa a miséria para milhões de pessoas.
Precisamente, é na busca incessante de acumular riquezas que os capitalistas entram em disputa entre si. Para vencer a concorrência fazem pesados investimentos em ciência e tecnologia que implica na substituição de pessoas por máquinas, na contemporaneidade, por robores e/ou inteligência artificial. Objetiva-se com isso, a
diminuição do tempo de trabalho socialmente necessário a produção e a reprodução humana e o aumento do tempo de trabalho socialmente desnecessário (LIMA e MONTYSUMA, 2018), ou dito de outra forma, o aumento do tempo destinado à produção e reprodução do mais-valor combinando as suas duas formas: a absoluta (por
meio da extensão da jornada de trabalho) quanto na sua forma relativa (que se dá com a simples diminuição do tempo de trabalho necessário a produção da mercadoria).
Essa lógica aplicada de maneira exponencial e em escala planetária provoca a abundância de capital. Como ele próprio é uma mercadoria, está, pois, sujeito as leis de circulação de mercadorias, que como se sabe, nos marcos do capitalismo, toda mercadoria abundante faz com que seu preço se deprecie. Foi decorrente do estudo desse fenômeno que Marx e Engels descobriram A lei da queda tendencial da taxa de lucro, a qual dedicaram toda a Sessão III do Livro III d’O Capital, que precisa ser estudada por todos nós. Trata-se de uma “Lei”, ao mesmo tempo uma “tendência”. Como compreender isso? É uma “Lei” por ser um fenômeno objetivo e constante do modo de produção capitalista, verificável em todas as fases de seu desenvolvimento histórico. Ainda que
condicionado pelos limites técnicos-científico de cada época, trata-se de uma característica estrutural do sistema. Por outro lado, esse desenvolvimento ocorre de maneira assimétrica, não há uma evolução linear em todos os setores e ramos produtivos. Assim como não se verifica entre regiões de cada país, nem entre as nações, o que configura a supracitada “Lei” como “tendência” e não como fato consumado. Isso porque
a própria concorrência se impõe contra tendências, provocando as desigualdades.
Nas palavras de Marx: Essa tendência produz, simultaneamente com o decréscimo relativo do capital variável2 em relação ao constante3 , cada vez mais elevada a composição orgânica do capital global, daí resultando diretamente que 2 Entende-se aqui capital variável como sendo igual a trabalho vivo ou força de trabalho.
3 Capital constante corresponde ao maquinário. a taxa de mais-valor, sem variar e mesmo elevando-se o grau de
exploração do trabalho, se expresse em taxa de lucro em decréscimo contínuo […]. A tendência gradual, para cair, da taxa geral de lucro é, portanto apenas expressão, peculiar ao modo de produção capitalista, do progresso da produtividade social do trabalho (MARX, 1987, p.243, grifos do autor).
Decorre desse processo descrito por Marx, a origem da superprodução de capital, por essa razão, as crises do sistema capitalista, por mais paradoxal que possa parecer, são sempre de abundância. Para fugir dos efeitos danosos da superacumulação, que desvaloriza a massa de capitais, o sistema recorre sempre a mesma fórmula: redução do tempo de trabalho socialmente necessário, em benefício da ampliação do tempo de trabalho socialmente desnecessário, que desemboca na dispensa de trabalho vivo (mão de obra) e aumento do trabalho morto (objetivado na forma de maquinas de alta tecnologia), amplificando dessa forma, o mais-valor relativo e absoluto, gerando a superexploração da força de trabalho ativa e agravando, de forma dramática, o desemprego estrutural.
Por isso, a crise tem uma dupla face: abundância para o capital, miséria e fome para os trabalhadores, jogados na vala do desemprego e/ou subemprego. Desde a quadra 2007-2008, quando eclodiu a mega crise de abundância configurada na explosão da bolha especulativa das hipotecas poderes do mercado imobiliário estadunidense, que o mundo capitalista entrou na mais profunda, extensa e insanável crise de superprodução de capitais, segundo os analistas econômicos, maior até do que a crise da bolsa de valores de Nova York de 1929.
Desde que o capitalismo superou sua faze concorrencial e entrou na era monopolista, houve na acepção de Lênin, um salto qualitativo nas disputas por mercados, que deixou de ser um fenômeno nacional e regional e passou a ser global, razão pela qual ele denominou etapa imperialista do desenvolvimento capitalista, nessa nova faze se intensificaram as contradições do sistema.
Também é próprio dessa fase, a agudização das crises de abundância de capital, contra a qual, o capitalismo só tem um remédio possível sem romper os limites do próprio sistema: queimar capital sobrante, para gerar a escassez, que fará a máquina do sistema travada pela abundância, girar novamente e com ela, as taxas de lucro subirem. Entretanto, só há um meio de queimar tanto capital circulando em escala planetária: guerras, de preferência de proporções globais.
Desse modo, a primeira grande guerra que eclodiu em 1914, foi a resposta para a crise da virada do Século XIX para o XX e a segunda grande guerra, que começou em 1939, foi a saída para crise da bolsa de valores de 1929 que fez o mundo capitalista agonizar por dez anos, numa depressão marcada por altas taxas de inflação e estagnação econômica. O combustível para tocar fogo no mundo e queimar o capital sobrante, além dele
próprio, é o ódio e a faísca para provocar a combustão é a mentira. As guerras são como o fogo que todo ano queima as florestas do Acre, sabe-se como começa, mas não como terminam. As chamas do ódio queimam capital objetivado na forma de fábricas, estradas, pontes, hospitais e escolas, mas também, na sua forma líquida (papeis e recentemente, bytes), consumidos por meio da especulação de juros nas bolsas de valores e futuro ao
redor do mundo, desde as primeiras declarações de intenção de guerra. Além disso, queima-se capital humano, queima-se pessoas não importa se são mulheres, idosos ou crianças, ou mesmo soldados. Queima-se tudo em oferenda ao deus mamom, o deus dinheiro.
Nos momentos de crise sistêmica aguda, como a que estamos vivendo agora, os meios de comunicação de massa, também controlados pelo capital, funcionam como glândulas excretoras de ódio, que embriaga as pessoas, fazendo surgir anomalias como o pobre de direita, negros racistas, homofobia entre a população LGBTQI+, mulheres machistas, mas principalmente, o fascismo que propaga o ódio e dele se alimenta. Na
contemporaneidade a internet é uma terra sem lei que se constituiu no principal veículo de proliferação da ideologia do ódio e da mentira, principalmente por meio das redes sociais e dos jogos de guerra que também formam comunidades digitais tóxicas com os quais o sistema manipula a pulsão de morte das pessoas, sobretudos os adolescentes e jovens. Soma-se a isso, o fundamentalismo religioso, apoiado em pautas morais, eleitas em primeiro plano, para ofuscar a destruição dos direitos sociais, vilipendiados pelo avanço das políticas antipovo do neoliberalismo, tem se constituído também um meio de propagação do ódio.
Como destaca o Pastor Henrique Vieira, O fundamentalismo, portanto, acaba alimentando a intolerância, pois
não consegue estabelecer pontos de contato e de diálogo com outras manifestações religiosas, dimensões culturais e visões de mundo. Numa frase, o fundamentalismo é uma concepção religiosa que dificulta o
pleno convívio entre as diferenças. (VIEIRA, 2018, p. 96). Mais do que isso, o fundamentalismo religioso que se manifesta por meio da teologia da prosperidade e do domínio, serve de base ideológica e alimenta a onda fascista que retoma primazia na atualidade política. Compreendemos que o fascismo foi o nazismo nas condições históricas e sociais da Itália, ao passo que o nazismo foi o fascismo nas condições históricas e sociais da Alemanha, na atualidade, o bolsonarismo é o nazifascismo nas condições históricas e sociais do Brasil, a mesma lógica vale para o sionismo em Israel, e o trumpismo nos EUA. São analogamente ideologias cujo fundamento é o ódio. Estão, portanto, sintonizadas com desejo de destruição que anseia o capital, manifesto por meio da necropolítica.
A necropolítica pôde ser percebida durante os dois anos de pandemia de Covid19, em que cidadãos que se diziam “fechados com Bolsonaro” se negavam a tomar vacinas e combatiam as campanhas de vacinação que só no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde ceifou 693.853 vidas, até o ano de 2022, quando a vacinação em massa da população começou a reverter a taxa de mortalidade dos infectados.
Mas a necropolítica se manifesta, também, por meio das políticas de armar a população, na ação violenta das polícias nos bolsões de miséria cujo alvo prioritário é o extermínio da população negra e pobre, na mortandade da população indígena, e mais recentemente o genocídio da população palestina, filmado e registrado em tempo real, que segundo a ONU já foram queimadas 70.000 pessoas, cuja maioria são mulheres e crianças e quase dois milhões de pessoas estão submetidas à fome, sede, tortura e doenças decorrente da desnutrição diante da inércia das nações ditas civilizadas.
Por outro lado, e buscando satisfazer a necessidade de sangue humano para alimentar o sistema em crise, a guerra de extermínio do povo palestino, extensivo agora ao Líbano, atesta o quão lucrativo é a guerra, pois segundo a Federação Árabe-Palestina no Brasil – FEPAL, desde a intensificação do genocídio na Palestina ocupada, as empresas capitalistas-sionistas já lucraram U$S 22,8 bilhões o que equivaleria a aproximadamente R$ 125,2 bilhões, isso equivale a aproximadamente U$S 434 mil ou R$ 2,4 milhões para cada criança ou mulher assassinada em Gaza. Até o momento estimase que o estado sionista de Israel com o apoio material dos EUA tenha despejado aproximadamente 85.000 toneladas de bombas sobre a Palestina, superando as cerca de
20.000 toneladas despejadas pelos nazistas sobre a Europa e as 15.000 toneladas detonadas pelos EUA com as duas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagazaki após o rendimento do Japão na segunda grande guerra.
Foi nesse cenário, de crise estrutural aguda do capitalismo e de ódio que tomou conta da política e de todos os campos da vida, que as eleições municipais transcorreramno Brasil em 2024, revelando que a fratura que dividiu a nação ainda não cicatrizou, desde o advento, da hoje comprovada, farsa da Lava-jato, que pariu o bolsonarismo. O Brasil, as famílias e as igrejas seguem divididas, as eleições mostram que os dois grandes campos em disputa: o campo democrático-progressista e o nazifascismo-bolsonarista seguem em equilíbrio estratégico, não se pode falar, portanto, em supremacia nem para um lado, nem para o outro nas eleições para presidente que deverão ocorrer em 2026. Se por um lado, Bolsonaro foi declarado inelegível e seu projeto não consegue tornar-se hegemônico no Nordeste, aqueles que reivindicam a sua tradição fascista e o discurso do ódio, seguem fortes e enraizados na população em grandes colégios eleitorais como Minas e São Paulo, mas também na periferia do país, como é o caso do Acre, em que os candidatos das duas maiores cidades do Estado foram eleitos com Bolsonaro pedindo voto para ambos no programa eleitoral.
Particularmente no Acre, o resultado das eleições municipais revelou que a política anti-humana, segue firme e forte. O bolsonarismo viceja sobre os escombros dos erros da Frente Popular do Acre – FPA, que se por um lado deixou um legado de muitas conquistas civilizacionais, por outro lado, estão uma a uma, sendo varridas da política acreana, pela direita no poder. Fato que se explica não só pelo avanço do fascismo, mas também, pela incapacidade dos caciques dos partidos que hegemonizaram a FPA de superar suas insuficiências e seus erros, e seguem, até a presente data, sem um balanço crítico e autocrítico daquela experiencia de governo, que sirva de base para um novo pacto entre as forças populares, mas principalmente, que fundamente uma nova aliança com opovo.
Decorrente da miséria moral a que estamos submetidos, em última análise, fruto da ignorância política dos caciques e sabichões da Frente Popular e suas fórmulas prontas para tudo, a vitória política da direita em 2018. Isso porque, quando dois campos de força se encontram em luta, as causas da vitória de um lado e a derrota de outro, se explicam na raiz, pelo poderio de força de um lado e a justeza tático-estratégica de seu comando,
ao passo que a derrota, se deve à fraqueza das suas forças em ação e aos erros de seus comandantes. No caso da FPA, compreendemos que a derrota no ano limite de 2018, se deveu mais ao acúmulo de erros de sua direção, do que fraqueza de suas forças e segue repercutindo até os dias atuais, influindo decisivamente no resultado global das eleições municipais de 2024.
Ao se analisar o resultado das eleições de 2024, pode-se dizer, que Gladson Cameli aliado ao Bolsonarismo elegeu 19 prefeituras, das quais, 14 do PP, 2 do PL, entre elas Rio Branco, 2 do Republicanos, 1 do União Brasil. As exceções relativas são Santa Rosa do Purus com MDB, Bujari do PDT e Rodrigues Alves com PSD, que por influência do Senador Petecão tende a apoiar o Presidente Lula, mas que, no entanto, como os Municípios do Acre, sem exceção, dependem do Governo do Estado para implementar suas políticas, todos estão nas mãos do Governador. A novidade alvissareira, foi a eleição de André Kamai vereador de Rio Branco, pelo PT na Frente Brasil da Esperança, com expressiva votação. André que vive a realidade das minorias religiosas no Acre4
e é membro do Instituto Ecumênico Fé e Política, representa a esperança de fortalecer o polo da resistência popular na Câmara de Rio Branco, tarefa que sabemos de antemão, não será fácil porque estará sozinho nessa
legislatura, a exemplo do Deputado Edvaldo Magalhães – PCdoB será a única voz desse bloco de forças na Câmara da Capital acreana.
O quadro, portanto, é de resistência ativa daqueles que sonham com um mundo em que as pessoas venham antes e acima das coisas; Que o dinheiro seja apenas um meio para viabilizar e facilitar as trocas, não um deus; Que a paz, enfim, reine entre a humanidade.
Referências
LIMA, Elizabeh Miranda. MONTYSUMA, Hildo C. F. A reforma educacional no Brasil no início do século XXI, como reflexo da reestruturação capitalista global. Brazilian Journal of Develop., Curitiba, v. 4, n. 3, Edição Especial, p. 814-827, jun. 2018.
MARX, Karl. O Capital. Crítica da economia política. Livro 3. O processo global deprodução capitalista. Vol. IV. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A, 1987. VIEIRA, Henrique. Fundamentalismo e extremismo não esgotam a experiência do sagrado nas religiões. In GALLEGO, Esther Solano. O ódio como política: a reinvenção da direita no Brasil. São Paulo, Boitempo, 2018. 4 André frequenta a religião acreana que faz uso da ayahuasca como sacramento e tem uma boa relação com as comunidades das religiões de matriz africana.