Coluna do Maurício: Entre o ideal e o real

Toda terça

Por Maurício Pinheiro – Vivemos em uma era em que a perfeição se tornou não apenas uma ambição, mas um imperativo cultural. Nas redes sociais, nos espelhos e nas avaliações de desempenho, a mensagem é clara: ser extraordinário é o mínimo aceitável. No entanto, por trás desse ideal cintilante, esconde-se um paradoxo inquietante. Quanto mais tentamos nos aproximar do inalcançável, mais vulneráveis nos tornamos à insatisfação crônica e à autodepreciação.

A obsessão pela perfeição não é nova. Desde os primórdios de nossa existência tribal, buscamos nos destacar em nossas comunidades, demonstrar virtudes valorizadas e evitar falhas que pudessem nos excluir do grupo. Hoje, essa dinâmica persiste, mas em um cenário muito mais complexo. O “século da comparação” nos mergulha em um fluxo incessante de imagens e narrativas idealizadas, ampliando exponencialmente o campo de julgamento social.

Mas o que é realmente ser perfeito? Olhando mais de perto, percebemos que a perfeição frequentemente é definida por padrões alheios — uma construção cultural moldada por expectativas coletivas e, mais recentemente, pelo brilho artificial das telas. O perigo está na internalização dessas metas externas como se fossem intrínsecas, levando-nos a um estado de constante luta contra nossa própria imperfeição.

Há uma ironia amarga na narrativa da perfeição. A promessa de felicidade, realização e aceitação que a perfeição carrega frequentemente se transforma em frustração e solidão. Na tentativa de alcançar padrões inatingíveis, as pessoas acabam se afastando não apenas dos outros, mas também de sua própria essência. Aqueles que vivem com um perfeccionismo acentuado sentem de forma aguda esse fardo, acreditando que cada erro revela sua insuficiência pessoal.

Essa busca também cobra um alto preço em nossa saúde mental. Pesquisas indicam que pessoas perfeccionistas estão mais suscetíveis a problemas como ansiedade, depressão e até pensamentos suicidas. Presas em um ciclo implacável, elas veem na perfeição não apenas uma rota para a aceitação, mas também a origem de uma angústia profunda e paralisante.

E se disséramos que a perfeição é, em si mesma, uma ilusão? Que ela não é um destino, mas um constructo que nos desvia do que realmente importa? Talvez a verdadeira conquista resida não na ausência de falhas, mas na coragem de aceitá-las. A autocompaixão e a aceitação radical de quem somos — completos com nossas imperfeições — podem ser os maiores atos de rebeldia contra um mundo obcecado pelo “eu ideal”.

Ao reconfigurar nossa relação com a perfeição, também nos reconectamos à nossa humanidade compartilhada. Todos nós temos nossas falhas, inseguranças e limites. Ao aceitar essa realidade, conseguimos nos desprender das expectativas inalcançáveis e abrir caminho para relações mais verdadeiras e empáticas. Em uma sociedade que insiste em vender a perfeição como algo indispensável, optar pela autenticidade se torna um ato revolucionário — e talvez o segredo para viver com mais plenitude.

 

Maurício Pinheiro. Educador de Tecnologias e Artes no Sesc Piracicaba, Analista de Software, Produtor Cultural e Roteirista.

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