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Por Jânio de Freitas, na Folha
Atos que têm os efeitos de crimes, mas ficam para sempre impunes, são comuns e nem sequer cobrados aos seus autores —muitos dos prefeitos, governadores e, sobretudo, presidentes. Essa é uma das falhas que comprometem a moralidade do regime democrático.
Um dos desatinos de Donald Trump, por exemplo, é a separação de filhos e pais presos por entrada ilegal nos Estados Unidos.
Tem causado mortes, transtornos psíquicos e males físicos em crianças retidas nos abrigos desconhecidos pelos familiares, inclusive em áreas desérticas, como já descoberto pela imprensa americana. Trump não é e não se imagina que venha a ser cobrado, da maneira adequada, por tal ação contra a vida de milhares de crianças.
Um ato dessa equivalência criminal está produzindo seus efeitos, imediatos e vitais, sobre parte da população brasileira. Por motivos óbvios, o ato não teve a honra da inclusão, pela Presidência, no alegado cumprimento de promessas para os cem e os sem dias de governo Bolsonaro. Mas talvez nenhum ato represente Bolsonaro e seu governo tão bem quanto a devolução dos médicos cubanos.
Não se sabe, nem o governo sabe, a quanto soma a grande multidão dos que têm morrido ou sofrido porque lhes retiraram os médicos. Sem qualquer medida preventiva, sem informação sobre as populações atingidas, sem se importar com as consequências.
A Folha já relatou o desamparo médico em que caíram municípios inteiros, mesmo no rico estado de São Paulo. O recente depoimento da médica Ananda Conde a Fabiano Maisonnave, também na Folha, é como um grito de desespero. Em 15 dias na Amazônia, região de Maturacá, fez 190 atendimentos clínicos, seis partos, exames de pré-natal, atendimentos de emergência por mordidas de animais, acidentes, violência, alcoolismo.
Mas em dois meses no Mais Médicos, sua aspiração profissional, Ananda decidiu desligar-se, por falta de tudo, inclusive de recebimento do salário. Uma informação sua, como complemento: “Nos ianomâmi”, que ocupam extensa área, “todos os 16 médicos eram cubanos, e foram embora”. Retirados por decisão de Bolsonaro, pelo motivo só de serem cubanos.
Desde o início do programa Mais Médicos viu-se o que se pressentia: médicos brasileiros, mesmo recém-formados, não se interessavam por trabalhar no interior, ainda que em cidades ou regiões aprazíveis. O programa jamais conseguiu preencher a quota de brasileiros. Dos inscritos para substituir, com melhores condições, os cubanos devolvidos, 15% nem se apresentaram nos postos designados. De lá para cá, a substituição nunca se completou e a constante é o abandono. Ao governo, ou não importa, ou quer que assim seja.
O ato irresponsável e perverso de Bolsonaro foi antecedido por medida equivalente de Michel Temer. Em seus dois últimos anos no Planalto, Temer cortou do programa Farmácia Popular, de remédios gratuitos e outros com desconto especial, o necessário para o atendimento a 7 milhões de usuários. Um quarto dos registrados como dependentes da ajuda para tratar-se.
Quem faça contra uma só pessoa algo caracterizável como privação de socorro, está incurso no Código Penal e sujeito a pena de prisão.
Governantes movidos pelos motivos mais idiotas e torpes fazem o mesmo contra milhões. Impunes, sob aplausos originários da imbecilidade e da baixeza.
Primeira iniciativa verdadeira para difusão de assistência médica país afora, o Mais Médicos definha. E milhões são outra vez deixados ao padecimento físico e à morte evitável. A Michel Temer e Jair Bolsonaro não adianta que lavem as mãos.