Por Chagas Batista
Em santa Maria, aos 11 anos de idade, tive que me submeter mais um teste de fogo. Meu pai já preparava para o ano seguinte minha própria estrada. Minha carga de trabalho aumentaria: de quatros dias para seis por semana. Quatros dias na semana eu acompanhava meu irmão e mais dois dias iria cortar sozinho. Era a transição para me formar num seringueiro independente.
(…) seringueiro independente (…)
Eu tinha muito medo de onças, queixadas e índios brabos. Minha mãe comentava que os índios, anos atrás, haviam matado um seringueiro com uma flechada que traspassou o corpo. A flecha entrou no peito e saiu nas costas. Uns anos antes meu pai chegou da estrada com uma “onça pintada” morta. O animal era tão grande que ele precisou de ajuda da vizinhança para carrega-la em um “Pau de arara”.
(…) traspassou o corpo (…)
Meu pai contou que há muito tempo a onça vinha rastejando ele na estrada, nesse dia ele estava cortando sentado no pé da seringueira quando ouviu um barulho de folhas se movimentando atrás dele. Ele se virou para ver o que estava acontecendo e foi surpreendido com a onça bem próximo, preparando-se para pular em cima dele. Meu foi rápido – pegou a espingarda, apontou e apertou o gatilho. O tiro foi certeiro.
(…) tiro certeiro (…)
A vida na selva na época não era fácil. Um dia meu pai andava cortando seringa e foi cercado por grande bando de queixada. O bando selvagem, fechou um cercou e ele só conseguiu salvar-se porque subiu numa “canela de velho”, uma arvore pequena, forte e esgalhada. Quando estava subindo na árvore meu pai ainda foi golpeado nas pernas. Eu só pensava no dia que teria que enfrentar a selva sem companhia para cortar a minha estrada.
(…) canela de velho (…)
Um dia eu e meu irmão percebemos que uma onça andava nos rastejando. A gente dava a primeira volta cortando e quando voltava para colher leite, via as pegadas das patas da onça seguindo o nosso rastro. Começamos ficar mais atentos, temendo que mais cedo ou mais tarde o encontro ia acontecer e finalmente aconteceu. Foi um dia nervoso.
Tínhamos acabado de cortar uma seringueira e na sequência, ouvimos que algo vinha nos seguindo pela beirada de um Igarapé. Não demorou, Uma onça pintada pulou em nossa frente a uma distancia de uns cinco metros. Ela parou, franziu o coro da testa e mostrou seus agigantados dentes. Meu irmão que era mais velho e destemido pegou a espingarda calibre 16 das minhas mãos, apontou em direção à fera e apertou o gatilho. A onça caiu no chão se batendo e soltando esturros que tremia o chão. Em seguida conseguiu se arrastar e entrar numa furna. Ainda pensamos ir fustigá-la, mas lembramos da sabedoria popular que aconselha, ninguém deve “cutucar onça com vara curta”.
(…) calibre 16 (…)
Não procuramos mais a onça, entretanto ficamos com a certeza que o Bicho não mais nos amedrontava. Todavia, ainda existia um grande sobroso dos índios brabos e dos queixadas. Não demorou muito tempo, (na mesma estrada de seringa que era apelidada de “encrenca”, encontramos os porcos selvagens. Era uma estraladeira de queixos que assombrava qualquer valente. O barulho era tão esquisito que parecia que todas as árvores estavam pipocando. Meu irmão que não temia nada pegou a espingarda partiu pra cima e meteu chumbo. Em poucos minutos , dois queixadas estavam mortos e o bando desapareceu.
(….) encrenca (…)
Eu começava ficar mais corajoso para assumir sozinho minha própria estrada. Já não tinha mais medo de onça nem de queixada, mas faltava encontrar os índios brabos. Os índios nunca encontramos, não existia mais na região, era puro terrorismo e preconceito dos barracões para justificar as matanças de índios que se convencionou chamar de Correrias, para dizimar dezenas de malocas existentes antes da chegada dos desbravadores brancos.
(…) terrorismo e preconceitos dos barrocões (…)
Os povos indígenas sofreram “correrias promovidas por patrões seringalistas para destruir as “malocas e dispersar os índios para lugares distantes. essas expedições armadas eram justificadas como necessárias para garantir a segurança dos seringueiros. Esses massacres também resultaram na captura de mulheres e crianças. O comandante do genocídio era um sujeitos conhecido como Pedro Biló, que era uma espécie de anjo da guarda dos interesses dos patrões.
Chagas Batista, Tarauacá