Escola que diz amém: o fim da pedagogia e o começo da parentalogia
A escola que ouve demais cala a si mesma. E quem cala a própria voz pedagógica em nome da satisfação do cliente não educa, apenas entretém
Ouvi dizer que os pais estão mais presentes na vida escolar dos filhos. Sim, presentes como fiscais da Receita: auditando tudo, questionando tudo e ameaçando com represálias caso a “empresa-escola” não entregue resultados satisfatórios. A pedagogia virou coadjuvante do grupo de pais do WhatsApp, o hino nacional da escololândia parental.
A instituição escolar, local onde entra o filho e sai o estudante, acaba se consolidando como o espaço onde o cliente deve construir uma experiência de individualidade que reforce suas ilusões acerca do mundo e dos processos sociais. O mercado de laudos está aí para confirmar. Para cada caso que deve ser tratado com seriedade, outros tantos que apenas exigem um tratamento diferenciado para alguém que não pode ser percebido na coletividade do comum, ressaltando o império das particularidades exigidas pelo mercado das experiências customizadas.
É curioso notar que, nas reuniões escolares, quem brilha não é Paulo Freire, mas sim Paulo, o pai do Arthur, que exige que a professora de História seja mais “neutra” (leia-se: elogie o Império e esqueça a escravidão). A filosofia, essa velha senhora inconveniente, também foi gentilmente dispensada do currículo. Em seu lugar, entra a nova disciplina: “Formação de Cidadãos Obedientes e Produtivos”.
Não se fala mais em autonomia pedagógica. Afinal, que audácia a de um professor querer ensinar o que aprendeu numa faculdade! O correto, para muitos, seria perguntar aos pais o que eles gostariam que seus filhos soubessem e, de preferência, entregá-los formatados, engomados e prontos para o Enem e para o LinkedIn. Na sociedade de mercado, a escola virou bufê: o cliente escolhe o cardápio, e o professor vira garçom de conteúdo. Satisfação garantida ou o conselho tutelar de volta!
Nietzsche já dizia: “A maturidade do homem consiste em reencontrar a seriedade que teve ao brincar quando era criança.” Mas na escola sob comando paterno, maturidade virou palavrão. Criança pode tudo, desde que o pai ache bonito. Se o menino mordeu o colega, foi porque ele estava com cara de nugget. Se a aluna respondeu a professora, é porque ela não a inspirou o suficiente. E se o boletim veio vermelho, o erro foi da avaliação, da didática ou de Marte retrógrado – nunca da falta de estudo.
O resultado dessa paternidade pedagógica é uma geração que sabe mais sobre os direitos do que sobre os deveres, mais sobre algoritmos do TikTok do que sobre a ética de Aristóteles. “Mas meu filho tem autoestima!” – grita a mãe. Sim, claro. Só não tem autocrítica. Está pronto para o estrelato, mas não para a contrariedade. É um pequeno Sócrates às avessas: em vez de “só sei que nada sei”, agora é “eu sei de tudo e quem não concorda está cancelado”. A escola que ouve demais cala a si mesma. E quem cala a própria voz pedagógica em nome da satisfação do cliente não educa, apenas entretém.
Então, se um dia você entrar numa escola e ouvir que “aqui a gente escuta tudo que os pais dizem”, desconfie. Provavelmente ali não há um projeto de pedagógico, apenas um SAC – Serviço de Atendimento ao Cliente. E educação, essa ousadia civilizatória, pede coragem, não aplauso.
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Som do Brasil… ‘O MELHOR’ de Pena Branca & Xavantinho🎶