Cláudio Ezequiel – O Brasil segue sendo o país onde os pobres pagam a conta e os ricos celebram. Em mais um capítulo de escárnio legislativo, a Câmara dos Deputados rejeitou a proposta de taxação sobre lucros e dividendos, uma medida básica de justiça tributária que vigora em quase todos os países desenvolvidos, negou o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e, para coroar o absurdo, aprovou o aumento do número de deputados federais, saltando de 513 para 531 parlamentares.
Essa decisão é mais do que um erro político. É um tapa na cara da população brasileira, que enfrenta diariamente a desigualdade, o desemprego e a precarização dos serviços públicos. Enquanto isso, o Congresso se recusa a mexer em privilégios históricos da elite econômica e ainda aumenta os próprios gastos com mais cadeiras, mais salários, mais verbas de gabinete, mais assessores e mais mordomias.
Hoje, empresários e grandes acionistas recebem milhões em lucros e dividendos sem pagar um centavo de imposto sobre esses rendimentos. Enquanto isso, o trabalhador assalariado, que mal consegue pagar o aluguel e sustentar a família, entrega até 27,5% de sua renda ao Imposto de Renda, além de arcar com o peso da carga tributária indireta sobre consumo, como alimentos, transporte, água e energia.
O Brasil é um dos poucos países do mundo que não tributa lucros e dividendos. Segundo os dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, essa omissão reforça a concentração de renda e empurra a classe média e os mais pobres para a margem da sobrevivência.
Mais recentemente, um episódio ainda mais grave escancarou a tentativa do Congresso de usurpar funções do Executivo: a aprovação de um decreto legislativo para sustar a decisão do presidente da República sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A alteração feita pelo presidente Lula, dentro das suas prerrogativas constitucionais e fiscais, foi arbitrariamente anulada por um Congresso que se comporta como se fosse poder executivo.
Essa decisão, segundo vários juristas, é inconstitucional e representa um grave precedente. O artigo 49, inciso V da Constituição Federal permite ao Congresso sustar atos normativos do Executivo que exorbitem do poder regulamentar. Mas o ato presidencial sobre o IOF não é um decreto regulamentar, é uma medida tributária típica do Executivo, prevista no artigo 153, que confere ao presidente a competência para alterar alíquotas de impostos regulatórios, como o IOF, por decreto.
Ao anular esse ato, o Congresso não está fiscalizando, está governando no lugar do Executivo, algo completamente fora do seu papel institucional. A rejeição da alteração da alíquota do IOF, mostra como o Congresso está rendido aos interesses do mercado financeiro, que lucra com a volatilidade e a falta de regulação, ao custo do sofrimento da população que depende de crédito e sofre com juros extorsivos.
Diante desse cenário, é dever do presidente da República recorrer ao STF para garantir a preservação de suas prerrogativas constitucionais. O Poder Executivo tem a obrigação de resistir à tentativa do Congresso de submetê-lo e de tomar decisões típicas do executivo.
Mas a cereja do bolo veio com a aprovação do aumento do número de deputados federais. Muitos parlamentares, especialmente da ala de direita que vive atacando o Supremo Tribunal Federal (STF), com discursos de ruptura institucional e ameaças de “fechá-lo”, agora usam o próprio STF como desculpa para justificar seus votos a favor da medida. Alegam que o aumento é “apenas o cumprimento de uma decisão judicial”, como se isso os absolvesse da responsabilidade política e moral da decisão.
É preciso destacar a incoerência de grande parte da bancada de direita, especialmente os parlamentares ligados ao bolsonarismo. Quando o STF decide pautas como casamento homoafetivo, marco temporal, descriminalização de drogas ou aborto, eles acusam os ministros de “ativismo judicial” e “usurpação de poderes”.
No entanto, quando lhes convém, não hesitam em usurpar funções do Executivo, sequestrar o Orçamento e tomar decisões administrativas que caberiam exclusivamente ao presidente da República, como foi o caso da aprovação do decreto legislativo que sustou o decreto presidencial que regula a alteração da alíquota do IOF. Na prática, querem um Estado onde o Legislativo seja soberano sobre os demais poderes, uma distorção perigosa, que traz ameaças ao Estado Democrático de Direito.
Essa incoerência escancara o oportunismo de setores que usam o STF como bode expiatório quando desejam mobilizar suas bases radicais, mas não hesitam em se beneficiar de suas decisões quando estas garantem mais cadeiras, mais poder e mais recursos públicos. Trata-se de uma hipocrisia gritante, típica de quem não age por princípios, mas por conveniência.
O presidente Lula tem agora a oportunidade e a obrigação moral de vetar essa vergonha do aumento de cadeiras de deputados federias. Não vetar seria um erro histórico e um sinal de fraqueza diante de um Congresso que legisla para si mesmo e para os grandes interesses econômicos.
Lula, que se elegeu com o discurso de colocar “o pobre no orçamento e o rico no Imposto de renda”, não pode ser cúmplice desse descalabro. O veto presidencial é um instrumento constitucional para defender o interesse público contra abusos do Legislativo. E agora é hora de usá-lo.
Claudio Ezequiel – Professor