Instituto de Estudos Amazônicos (EIA)
Eles não costumam receber o título de “pulmão do mundo”, expressão controversa também atribuída à floresta amazônica. Ainda assim, os manguezais da Amazônia se revelam aliados poderosos no enfrentamento da crise climática global, ao atuarem como grandes sequestradores de carbono da atmosfera.
Estudo publicado na revista científica Nature Communications mostra que os manguezais amazônicos possuem um potencial de mitigação de gases de efeito estufa superior ao de áreas florestadas do mesmo bioma. Liderado por pesquisadores brasileiros, o trabalho defende a inclusão desses ecossistemas no programa Redd+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), da ONU, que recompensa financeiramente países em desenvolvimento por iniciativas de preservação ambiental.
“A inclusão avalia os manguezais como uma forma de mitigação para se evitar a perda de floresta de qualquer tipo. Com esses números, vemos que a preservação dos manguezais pode ser muito superior à da floresta”, afirma Angelo Bernardino, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e autor principal do estudo, em entrevista à Folha de S. Paulo.
A equipe de pesquisadores é formada por especialistas da Universidade Federal do Ceará, da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP-Piracicaba, e de instituições da Bélgica, Suíça e Estados Unidos.
Segundo o estudo, os manguezais amazônicos armazenam até 468 megatoneladas de carbono por hectare (variação de 181 a 903 Mg C/ha). Já na floresta amazônica, o potencial é de 129 Mg C/ha (de 34 a 604 Mg C/ha). A diferença se dá pela natureza do estoque: cerca de dois terços do carbono dos mangues está no solo, enquanto nas florestas ele se concentra nas copas das árvores, tornando-se mais vulnerável ao desmatamento.
“Esse acúmulo de longo prazo fica preservado, uma vez que dois terços do carbono total está no solo”, explica Bernardino. “No caso das florestas, como a maior parte dos estoques está acima do solo, se houver desmatamento, todo esse carbono é perdido.”
A pesquisa mapeou 190 áreas de manguezais ao longo da costa amazônica, divididas em quatro tipos hidrológicos: delta de rio, delta aberto para o mar, estuários e regiões com alteração da vegetação por ação humana. Em cada local, foi medido o carbono acumulado acima e abaixo do solo, além da perda associada ao desmatamento.
Os resultados indicam que proteger 751 hectares de manguezal pode ter o mesmo impacto, em termos de mitigação climática, que conservar mais de 82 mil hectares de mata secundária. Ainda assim, os manguezais estavam ausentes das metas brasileiras de redução de emissões até recentemente.
“Esse serviço dos manguezais como locais onde podem ser encontrados grandes estoques de carbono era desconhecido”, diz o pesquisador. “Para poder preservar, é preciso mensurar quais seriam esses estoques. Já se sabia que eram altos, mas eram ignorados na política pública brasileira de mudança do clima.”
No dia 5 de junho, o governo federal anunciou a criação do Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil (ProManguezal). A iniciativa reúne o Ministério do Meio Ambiente, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e o Pan Manguezal (Plano de Ação Nacional para Espécies Ameaçadas e de Importância Socioeconômica do Ecossistema Manguezal).
A proposta é ampliar a proteção das áreas de mangue no país, especialmente na região amazônica, onde estão os manguezais mais extensos e bem preservados do planeta. Reportagens anteriores da Folha apontaram, no entanto, a falta de políticas públicas voltadas exclusivamente a esse ecossistema.
Para Bernardino, essa ausência se deve em parte à invisibilização dos manguezais. “Eles sempre foram pouco considerados como ecossistemas de alta biodiversidade. Enquanto biomas como Amazônia, Cerrado e Pantanal ocupam milhões de hectares, os manguezais estão espalhados em faixas litorâneas, mais difíceis de quantificar.”
Segundo ele, o estudo também busca ressaltar o valor agregado dos manguezais como prestadores de serviços ecossistêmicos. “Eles não servem apenas como estoques de carbono. São locais de pesca, habitação e de preservação da biodiversidade, sobretudo na região amazônica.”