Por Gregório José – Por vezes, o Brasil parece um laboratório trópico-tropical de experiências políticas que beiram a esquizofrenia legislativa. A mais nova panaceia atende pelo nome pomposo de PEC da Segurança Pública, um ajuntamento de intenções travestidas de solução, como se fosse possível resolver uma questão estrutural com uma emenda constitucional e meia dúzia de frases em juridiquês burocrático.
A Comissão de Constituição e Justiça aprovou o projeto com 43 votos contra 23. A democracia, dizem, venceu. Mas a democracia brasileira, como diria Nelson Rodrigues, é um mal-entendido. E aqui, mais uma vez, o espetáculo do simulacro foi encenado com perfeição. O relator, Mendonça Filho — cujo currículo de feitos memoráveis na educação é lembrado por absolutamente ninguém —, resolveu fazer média com os estados e retirou a exclusividade da União sobre a legislação da segurança. Um gesto, dizem, de sensatez federativa. Na prática, um recuo que transforma a tentativa de organização sistêmica em mais uma colcha de retalhos institucional.
Claro, o governo — sempre ele — aceitou o “acordo possível”. Ricardo Lewandowski, agora convertido em Ministro da Justiça, agradeceu em tom diplomático, como se estivesse encerrando uma conferência em Genebra. O problema é que o Brasil não é Genebra, nunca foi, e, ao que tudo indica, nunca será. A ideia de criar um sistema nacional de segurança com integração, coordenação e controle externo — ou seja, com racionalidade — cedeu lugar ao velho pacto de sobrevivência política: cada um que cuide do seu curral, desde que todos finjam cooperar.
A segurança pública continua sendo tratada como um problema de polícia e não como uma questão de Estado. A PEC fala em integração, mas o Brasil integra mal até os semáforos de uma cidade média. O deputado Pastor Henrique Vieira, com sua habitual lucidez solitária, apontou a ausência de definições claras sobre ouvidorias e corregedorias. E tem razão. Porque enquanto os militares estaduais seguirem sendo milícias em potencial com crachá oficial, qualquer proposta de controle externo será tratada como uma ameaça à “honra” da corporação.
O governo Lula, em sua sanha de mostrar que governa para todos — inclusive para quem não votou nele — parece disposto a diluir princípios em nome de avanços ilusórios. A PEC, com seus “ajustes que não alteram a essência”, como disse Lewandowski, parece mais um monumento à arte da maquiagem legislativa: muda-se tudo para que tudo continue como está. Os governistas, satisfeitos com a aprovação, exibem sorrisos de vitrine, mas por trás deles se esconde o incômodo: perderam a chance de propor uma mudança real.
No fim, o que temos? Uma promessa de reforma, mas com cláusulas de exceção, recuos estratégicos e a eterna aposta na conciliação. No Brasil, conciliar é sinônimo de adiar. E enquanto adiamos, o país segue sangrando, literal e metaforicamente, sob a tutela de um sistema de segurança que combina amadorismo técnico, corporativismo estamental e uma assustadora indiferença com a vida nas periferias.